Naquele tempo o casamento entre pessoas da mesma cor era muito mal visto. A política de homogeneização - a palavra era tão difícil de dizer que pronunciá-la correctamente distinguia a elite - valorizava as famílias mestiças e arco-íris. Uma família sem misturas era considerada anti-social e qualquer palerma lhes apontava o dedo e gritava injúrias com a arrogância de quem sabe que está com a maioria. Nesta época ser branco era o pior que se podia ser. Por tudo isto, Sílvia e Túlio, que eram brancos e já estavam à partida em desvantagem, reprimiam o seu amor e não queriam ter filhos um do outro.
Casaram convenientemente, tiveram filhos convenientes que não os poderiam acusar de egoísmo, como eles tinham feito aos seus pais, mas amavam-se. Este amor era, para ambos, dolorosamente incompreensível. Estavam anos sem se ver, cumpriam os seus deveres e eram felizes na medida certa. Convenciam-se até de que se tinham esquecido mutuamente. Até que se viam, de longe, de relance, e se enchiam de calor e de frio, tinham vertigens, perdiam a fala. Só descansavam quando se viam nos braços um do outro, correndo riscos que nem imaginavam, em lugares que não lhes ficava bem frequentar. A angustia, é certo, desvirtuava a alegria, mas apenas antes, apenas depois. Quando se encontravam fundiam-se na liberdade e no amor eterno. Porquê? Porquê? Não sabiam.
O tempo foi passando. Os filhos afastaram-se. Sílvia e Túlio enviuvaram. Naturalmente o destino juntou-os no mesmo lar de terceira idade onde puderam, finalmente, enlouquecer.
8 comentários:
Muito belo este texto, somente posso diser isto.
O amor, o amor, o amor..., sempre. Esse foi triste. E o mais triste é ver que as convenções sociais podem levar à loucura...
O desenrolar desta trama narrativa não se traduz num mero exercício de escrita, texto bonito e a fazer pensar ao olharmos os que vivem penosamente os dias (muitos de nós incluídos, mesmo que em acontecimentos do quotidiano), projectando-se no futuro em felicidade(s) adiada(s): 'um dia...quando chegar o bom tempo...quando eu ganhar a lotaria...', etc. Obrigada pela partilha:)
obrigada pelos vossos comentários, é sempre bom ter leitores e saber como é que interpretam o que escrevemos...
:)) Adoro ! Uma utopia com um pequeno toque de cinismo ?
isso, wolkengedanken, é o que tu lês...
Passar. Ler. Voltar atrás. Ter qualquer coisa para dizer e não saber bem o quê: gostar é pouco.
Se não sabes despedir-te, diz que já voltas.
É isso...
muito obrigada! :)
até já gin-tonic!
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