Vladimir Kush

Vladimir KUSH, Ripples on the Ocean, (Ondulações no Oceano)

Rumi

A vela do navio do ser humano é a fé.
Quando há uma vela, o vento pode levá-lo
A um lugar após outro de poder e maravilha.
Sem vela, todas as palavras são ventos.

Jalāl-ad-Dīn Muhammad RUMI




quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Nevoeiro crepuscular



Entre o nevoeiro diurno
E o nevoeiro noturno
No nevoeiro crepuscular
É que gosta de morar

Escapa do dia e da noite
Por essa fresta sem nome
Às vezes da cor do leite
Outras da cor da fome

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Poema aos hexágonos

Esdrúxulos
Ângulos de 120º
 
Favos de mel
Olhos de insetos
Carapaças de tartarugas
Flocos de neve

O lápis que isto escreve

Futebolistas
Lusos e não lusos
Chutam hexágonos

Porcas de parafusos
E outros
Usos

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Breve referência à introdução do pinheiro bravo no continente português

«Quem calcorrear as nossas estradas e percorrer veredas e caminhos deparará com uma árvore esguia, que se propaga sem grandes cuidados por meio da sua semente alada que vagueia ao sabor dos ventos até repousar, por fim, em qualquer pequena fenda onde se reproduz - é o pinheiro bravo.

Semente de Pinheiro Bravo
Luis Fernandés Garcia
2000

Parece certo que o aparecimento em Portugal desta espécie florestal se deve ao facto de os mareantes portugueses, vindos de França, terem metido nas suas embarcações, como combustível, as pinhas, as braças e o lenho de alguns pinheiros bravos originários daquele País. As pinhas ter-se-iam aberto com o calor e a tripulação, habituada a comer os pinhões do nosso pinheiro manso e estranhando a semente muito mais pequena e com uma amêndoa que não podia servir de alimento, contou o sucedido à Rainha Santa que, nessa altura, vivia em Leiria, em terras que lhe haviam sido doadas em 1300, por seu marido, o Rei D. Dinis. À Rainha, que todos escutava, foram mostradas as sementes com a descrição dos pinheiros e com a afirmação de que eles vegetavam bem em terreno arenoso.

Deliberou lançar a semente à terra, e teria sido a Rainha que transportou a «arregaçada de penisco» até uma clareira existente nos seus domínios e, aí, a lançou no areal.

Passaram-se meses, a semente vingou, e quando D. Dinis voltou a aparecer em Monte Real, a Rainha foi mostrar-lhe não só os trabalhos levados a cabo no reguengo de Ulmar, que fazia parte daquela doação, como a sementeira que tinha feito por suas mãos,.

D. Dinis, entusiasmado com o desenvolvimento nascedio, e desejoso de ter em abundância material lenhoso para a construção naval, diz aos mareantes que para a outra viagem lhe tragam mais semente daquela.

Vindo então mais semente - o «penisco» - é lançado noutras clareiras, e o povo, sempre cheio de curiosidade e amor à terra, passou a ir ver o «Pinhal do Rei» e o desenvolvimento que ia tomando.

Depois a semente alada, transportada pelo vento e pelo Homem, foi-se espalhando por toda a costa portuguesa ao norte do Tejo, penetrou nas Beiras e deu-se tão bem nas nossas terras que o pinheiro bravo bem parece ser originário de Portugal.»

Manuel Martins da Cruz, A Resina, Selecção Educativa - Série N - Número 18, Ministério da Educação Nacional, Direcção-Geral do Ensino Primário, 1966 


quarta-feira, 6 de outubro de 2021

terça-feira, 10 de agosto de 2021

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Uma avalanche de bananas

O marido vinha feliz com o almoço que tinha ido buscar ao restaurante, a mulher estava feliz porque ele trazia sumo e não aguardente, a filha estava feliz porque a deixaram comer muito pouco, o filho estava feliz porque não era carne de porco. Quando acabaram de comer distribuíram-se pelos quartos e não se viram mais até à hora do lanche, quando os iogurtes do frigorífico saltaram uns atrás dos outros atrás de uma avalanche de bananas. 

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Os seres alados noctívagos

Os seres alados noctívagos - corujas, morcegos, meteoritos - são observados do solo por seres noctívagos não alados contra o fundo estrelado da escuridão enquanto nas padarias coze pão. 

O tempo do sonho

Quando se adormece e sonha em andamento podemos saber que em muito pouco tempo, quase instantaneamente, tivemos um sonho que pareceu durar muito tempo. 

quinta-feira, 15 de julho de 2021

uma almofada pesada

Corre a mão pelo corrimão 

enquanto sobe a escada 

transporta na mala de mão 

uma almofada pesada.

segunda-feira, 28 de junho de 2021

deixou estas páginas

Despedindo-se do amigo, o Dr. Burton deixou o austero compartimento quadrangular. Deixou estas páginas para não voltar sobre elas. Interessa-nos apenas o que ele deixou atrás de si, aquilo em que Poirot viu uma ideia.

Agatha Christie, «Os trabalhos de Hércules», p.8, Edição Livros do Brasil, Colecção Vampiro Gigante 



segunda-feira, 21 de junho de 2021

terça-feira, 15 de junho de 2021

Visita Guiada, Santo António

Visita Guiada: Museu de Santo António, Lisboa - Santo António nasceu em Lisboa e viveu dois terços da sua vida em Portugal, onde se fez erudito e franciscano. Por vo

segunda-feira, 7 de junho de 2021

Ofender

Onde lutam contra o direito do povo ao poder todos os meios são usados para ofender.

terça-feira, 18 de maio de 2021

Rocha alada

 Estamos todos no mesmo barco, a «winged rock» de Mr. Herbert Trench.

G. K. Charleston, Disparates do Mundo, Sabedoria e Meteorologia, p.70, Moraes Editores

sexta-feira, 7 de maio de 2021

Feira da Ladra

 Voltando à Feira da Ladra. Este estendal de farrapos, antes do terramoto de 1755, fazia-se no Rossio, ali por onde hoje está a entrada do Passeio; em 1756 era no alto de S. Domingos e Portas de Santo Antão; depois foi para o campo de Santana; mas, invocado pelas saudades dos Lisboetas, voltou para junto do Rossio onde tinha estado; depois, tornou para o campo de Santana, há-de haver quarenta anos,; e agora vai sofrer um novo baldão que bem pode ser o percursor dos seus últimos lampejos nas transmigrações evolucionistas da civilização portuguesa. 

Camilo Castelo Branco (1880), Ecos Humorísticos do Minho, Editorial Labirinto, p.23

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Cadência

 Na cadência havia às vezes decadência mas quando a cadência se elevava elevava-se a alegria e o baile floria. 

sexta-feira, 30 de abril de 2021

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Mohandas Karamchand Gandhi

Mohandas Karamchand Gandhi, nascido em Porbandar em 1869, veio a ser conhecido no final da vida por Mahatma, o da Grande Alma. O pai foi um alto funcionário administrativo no governo anglo-indiano. A educação familiar ensinou-lhe o ahimsa, o princípio do respeito por todos os seres vivos. Casou com 13 anos e teve quatro filhos. Gandhi foi enviado para Londres para estudar direito, que praticou durante pouco tempo no tribunal de Bombaim. 

Em 1893 obrigações profissionais levaram-no à África do Sul, onde permaneceu durante vinte e um anos. Um homem branco pediu-lhe que abandonasse um compartimento de 1ª classe de um comboio em que viajava no Natal, o que ele fez. Este incidente marcou um ponto de viragem na sua vida, sendo na prática responsável pelo início das suas actividades políticas.

Abraham Pais, Einstein viveu aqui, p. 135, Gradiva, 1996

quinta-feira, 22 de abril de 2021

As jovens nuvens

As jovens nuvens iam de bicicleta 

numa estrada do campo, 

sem árvores nas bermas. 

Em sentido contrário vinha o velho sol 

numa carroça 

puxada por um burro pachorrento.

Quando viu as jovens nuvens gritou:

«Onde vão com tanta pressa?» 

«Para lá do sol posto.» 

responderam elas. 

O grande e gordo sol riu com gosto. 

«Então deem meia volta e venham comigo.» 

Elas rodearam-no em arco íris.

A manhã ensombrou-se.


A jovem nuvem mais escura 

afastou-se

por um atalho.

Choveu e trovejou.

Ficou aliviada.


quarta-feira, 21 de abril de 2021

Dormir na terra

Deitava-se na terra,
na primavera, 
em cima de flores 
que cheiravam tão bem 
que desmaiava 
e acordava num além 
que depois não recordava.

terça-feira, 20 de abril de 2021

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Hermenêuticas disponíveis

 As hermenêuticas disponíveis não são suficientes e uma nova nova hermenêutica só acrescentaria a insuficiência. 

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Baralha

«Baralha, com o sentido de baralho de cartas, foi feminino em época mais recuada da história linguística do Português: D. Francisco Manuel de Melo (Apólogos Dialogais, p. 209) e o Pe. António Vieira (Ali, 1964) utilizam ainda a forma feminina: «As cartas não hão de ser de outra baralha, senão as mesmas» (Sermões, 8, 261). J. P. Machado (Machado, 1987) já documenta o masculino no século XVIII: «inimiga mão lhe foi batendo/C’ um baralho de cartas pela cara» (Nicolau Tolentino, O Bilhar, em Obras Poéticas, I, p. 128).»

A categoria gramatical de género do português antigo ao português actual, Maria Carmen de Frias e Gouveia

https://core.ac.uk/download/pdf/19129463.pdf

PDF p.4

terça-feira, 30 de março de 2021

antenascida

metamorfosear-se-á, sabe-lo bem

mas não em quê ou em quem

há-de vir a ser antenascida

alma sem nome, atrevida

quarta-feira, 24 de março de 2021

Dos delfins e dos amores deles com as delfinas

Agora, saibamos dos delfins e dos amores deles com as delfinas.

Nascem nas ondas estes simpáticos brutos. Gostam infinitamente de música e são muitíssimo amoráveis com os homens. Do teor como eles amam, ninguém o dizia melhor que o padre Bernardino, e seria inveja da minha parte furtar ao leitor o regalo desta descrição: «Os amores destes insignes marítimos viventes, decantados em muitos clarins de fama, têm claros exemplos na história. Arde seu afecto nas águas, conservando-se o seu coração abrasado no líquido elemento, e na mesma jurisdição do maior inimigo do fogo; mas como afectos ardentes dificultosamente entram nos corações, obstando a contradição nos olhos, na idade florente da puerícia, são os indivíduos humanos de mais agradável aspecto, ordinários objectos das suas inclinações.»

Isto é bonito; mas custa a perceber. Era o caso do padre, puxado algum tanto ao lirísmo teutónico, dizer com Petrarca:

Intendemi chi púo che m'intend'io.

Refere-nos a história dum delfim chamado Simão, o qual amava um lindo menino, e andava com ele às cavaleiras de praia em praia, até que, morrendo o menino, o delfim «faleceu de amores depois de uma vida toda de afectos!» Que delfim Simão! Faz chorar a gente com o seu falecimento de amores!

Outro delfim, que por nome não perca, praticava familiarmente com os soldados do procônsul de África Flaviano. Este romano deu-lhe na veneta untar de certos unguentos o delfim, os quais tiraram os sentidos ao amável bicho. «Despertado do letargo, diz o lente de Coimbra em 1743, envergonhou-se de sorte que se ausentou por muito tempo para o profundo do mar.»

Que pudor tinha o peixe! Envergonhou-se de desmaiar! Parece que a vergonha já naquele tempo se tinha feito aquática!

Passados tempos, voltou o delfim desenvergonhado, e «continuou as suas antigas afectuosas expressões.»

Outro delfim, apaixonado e não correspondido de um menino de singular beleza, deu consigo moribundo numa praia, à vista do ingrato amado e expirou, dando «eterna fama às mesmas praias, com mais extremosa fineza do que a celebrada ama de Eneias às de Caeta».

Se estes peixes morrem assim de amores da gente qual não será a ternura do seu afecto às suas delfinas? Como nem todos são Simões, algum haverá que possa chamar-se Romeu, outro Paulo, outro Werther, analogias deduzidas das suas meiguices e choradeiras. Aquilo é que há-de ser amarem-se idealmente, lá onde o pudor é do feitio que vimos! O tempo não vai senão para eles. Os peixes a quererem-se como os humanos já não se querem; e nós, humanos e cristãos, a amarmo-nos, pouco mais ou menos como carapaus e tainhas! O reviramento é completo!

Camilo Castelo Branco,


Cousas leves e pesadas
, p. 112-114, Parceria A. M. Pereira, 1971

segunda-feira, 22 de março de 2021

Fernando Pessoa, The Island

 THE ISLAND

Weep, violin and viol,

        Low flute and fine bassoon.

Lo, an enchanted isle

        Moon‑bound beneath the moon!

My dream‑feet rustle through it

        Chequered by shade and beam.

Oh, could my soul but woo it

        From being but a dream!

Violin, viol and flute.

        Lo, the isle hangs in air!

Through it I wander, mute

        With too much loss of care.

And the air where't doth float

        No air's, but light of moon.

Its paths are known to each note

        Of viol and bassoon.

Yet is it real, that isle,

        As our clear islands mortal?

Do flute, bassoon and viol

        But ope with sound a portal,

And show, somehow, somewhere,

        To what looks out from me

That pendulous island rare

        In a moon‑woven sea?

Maybe 'tis truer than ours.

        How true are these? But lo!

That isle that knows no hours

        Nor needeth hours to know,

And that hath truth and root

        Somewhere known of the moon,

Fades in the fading of flute,

        Violin and bassoon.

sexta-feira, 19 de março de 2021

Frades de pedra

«Os frades de pedra, que servem para interceptar a passagem de uma rua, para amparar o cunhal de uma casa, etc, representâo, como direi a seu tempo, um velho culto phallico, já hoje nâo comprehendido do vulgo.»

Leite de Vasconcelos, Religiões da Lusitania na parte que principalmente se refere a Portugal, p. 127

quinta-feira, 18 de março de 2021

A floresta e o pomar

Entre a floresta e o pomar
há dois dedos de conversa.
Ela é mais alta e vê melhor,
ele dá-lhe fruta diversa.

A floresta e o pomar 
trocaram de lugar 
com o charco e a montanha. 
Andam a brincar 
ao jogo do quem me apanha. 
Caiu uma avalanche 
e a paisagem ficou muda. 

quarta-feira, 10 de março de 2021

Dia da mulher

As mulheres e os talheres 

não têm nada em comum, 

elas são de carne e osso 

e algumas gostam de rum. 

Algumas gostam de rum 

outras nem sabem que há, 

às vezes uma mulher 

o que quer ser é má. 

O que quer ser é má, 

onde quer estar é lá, 

põe-se a andar e não volta, 

sem sabre aonde irá? 

Sem sabre aonde irá, 

não pede nada a ninguém, 

depois de dar uma volta 

sente-se muito bem. 

Sente-se muito bem 

e dança escada acima, 

não sabe que idade tem, 

é decerto uma menina.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Questão

 A calma paciência

de quem escreve à mão

um longo poema 

de sol e sossego 

numa casa

levantada do chão

com janelas para o céu

e para uma questão

que se põe a toda a gente

sem palavras

e com elas 

não se consegue

responder.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Horas

Creio nas três da manhã
e daí até às cinco.
São horas para ninguém
e em silêncio fico.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

uma longa série de coincidências

Como resultado de uma longa série de coincidências entrei oficialmente na profissão de programador na primeira manhã de primavera de 1952 e tanto quanto fui capaz de averiguar, fui o primeiro holandês a fazê-lo no meu país.

Edsger W. Dijkstra

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Jejum

Jejum - (...) esta «autonomia energética» pode ser compatível com a vida durante bastantes dias, quase sempre mais de um mês, desde que seja possível beber, isto é, se não se lhe associa uma desidratação.

Dr. André Duranteau, Dicionário elementar de medicina, Publicações Europa-América

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

As nuvens atrás da serra.

 As nuvens não são animais, nem plantas, nem minerais. São seres ocasionais. Estavam a olhar para mim lá de trás da serra.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Inscrição prévia

A poetisa foi entrevistada para a televisão e perguntaram-lhe quando e onde é que tinha momentos de inspiração. Ela teve vergonha de dizer que às vezes era quando lia os ambientadores da casa-de-banho e, como não queria dizer isto, de repente ficou sem fala. Finalmente conseguiu lembrar-se de dizer que a inspiração não fazia inscrição prévia. 

A senhora está a rimar

A árvore está a

Ramar

A menina está a 

Remar

A senhora está a 

Rimar

A marinheira está a 

Rumar


sexta-feira, 15 de janeiro de 2021