NASCIMENTO
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Luz branca. Eu não sei se isso do nascimento corresponde a um conteúdo repetido dos sonhos, ou se de facto... o que é improvável... Em princípio ninguém se lembra do acto do nascimento. Parece que cientificamente não se pode confirmar que um indivíduo que nasce tenha a percepção do seu próprio nascimento. Agora que existe uma imagem persistente, uma luz muito difusa, translúcida, e que através dessa luz figuras mal definidas que se debruçam sobre mim e sobre a minha mãe... Tenho uma vaga ideia disso. Há muitos anos que tenho essa impressão. Tudo parte de uma luz indiferenciável, uma luz que invade tudo, que me penetra por todos os lados. Tudo parte de uma luz branca. Uma luz láctea. E não é uma luz do tipo hectoplasma ou transcendental, pelo contrário, é uma luz imanente, uma luz vital, como se fosse uma película, como se fosse um banho de leite, estás a perceber? Que me mergulhasse a mim ou que mergulhasse o universo. Uma larva branca.
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Da reportagem de José A. Salvador
Zeca, na primeira pessoa
Diário Popular
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in: Matilde Rosa Araújo, "A Estrada Fascinante", p. 14, Livros Horizonte, Lisboa, 1988
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