José Régio, Poesia de ontem e de hoje para o nosso povo ler, Ministério da Educação Nacional, Plano de Educação Popular, LXIV, 1969
*
UMA GAIVOTA ÊXUL...
*
Uma gaivota êxul morreu no mar...
E o seu corpo, de cândida energia,
Sobre uma onda veio naufragar
Ao cais donde partira, certo dia...
*
Tinha as asas abrindo ao vento... O peito
Arqueado ainda, como se aspirasse
O perfume do largo - e insatisfeito
Mais distância quisesse e conquistasse.
*
E em seus olhos, que a morte não cerrara,
Tanto a sede do ignoto os desvairou
-Fiquei-me a adivinhar a visão clara
Do mundo que só ela desvendou...
*
Nesta doce manhã de Primavera
Não entristece vê-la morta assim:
-Voo quebrado à hora da quimera,
Quando a vida parece não ter fim...
*
É que nesse cadáver pequenino,
Crispado num tormento quase humano,
Não se apaga a alegria de um destino
Que foi Sol, que foi Céu, que foi Oceano!...
*
Ah! pudesse eu morrer de igual loucura,
Na avidez de voar e de partir,
Com asas de ansiedade e de aventura
Entre a graça de espumas a florir!...
*
Mas que o embalo das ondas não me traga
Ao porto onde embarcar o meu desejo:
-Que uma vaga me leve, que uma vaga
À distância me enleie o último beijo...
*
Pois eu quero julgar que o ritmo ardente
Do meu sangue, sequioso de paixão,
Fica no mar pulsando eternamente:
-Como se fosse o mar, que sonha e sente,
O sangue do meu próprio coração!...
*
João de Barros
2 comentários:
é um poema muito muito bonito
cheio de água e calmaria
e apesar de falar do que fala
traz menos tristeza que alegria
Sobre este poema José Régio diz: «uma gaivota que se exilara - "uma gaivota êxul"»
e sobre João de Barros: «tendo Portugal tantos poetas melancólicos, João de Barros é um poeta da Alegria e da Aventura heróica.»
Enviar um comentário