Vladimir Kush

Vladimir KUSH, Ripples on the Ocean, (Ondulações no Oceano)

Rumi

A vela do navio do ser humano é a fé.
Quando há uma vela, o vento pode levá-lo
A um lugar após outro de poder e maravilha.
Sem vela, todas as palavras são ventos.

Jalāl-ad-Dīn Muhammad RUMI




segunda-feira, 25 de agosto de 2008

A sede que só a poesia pode saciar

"aquela sede que só a Poesia pode saciar, sem – como deve ser – a matar de todo: sede de Beleza, de Bondade, de Amor, de Sonho, de Entendimento, - verdadeira dignidade do homem"

José Régio, Poesia de ontem e de hoje para o nosso povo ler, Ministério da Educação Nacional, Plano de Educação Popular, LXIV, 1969

*

UMA GAIVOTA ÊXUL...

*

Uma gaivota êxul morreu no mar...

E o seu corpo, de cândida energia,

Sobre uma onda veio naufragar

Ao cais donde partira, certo dia...

*

Tinha as asas abrindo ao vento... O peito

Arqueado ainda, como se aspirasse

O perfume do largo - e insatisfeito

Mais distância quisesse e conquistasse.

*

E em seus olhos, que a morte não cerrara,

Tanto a sede do ignoto os desvairou

-Fiquei-me a adivinhar a visão clara

Do mundo que só ela desvendou...

*

Nesta doce manhã de Primavera

Não entristece vê-la morta assim:

-Voo quebrado à hora da quimera,

Quando a vida parece não ter fim...

*

É que nesse cadáver pequenino,

Crispado num tormento quase humano,

Não se apaga a alegria de um destino

Que foi Sol, que foi Céu, que foi Oceano!...

*

Ah! pudesse eu morrer de igual loucura,

Na avidez de voar e de partir,

Com asas de ansiedade e de aventura

Entre a graça de espumas a florir!...

*

Mas que o embalo das ondas não me traga

Ao porto onde embarcar o meu desejo:

-Que uma vaga me leve, que uma vaga

À distância me enleie o último beijo...

*

Pois eu quero julgar que o ritmo ardente

Do meu sangue, sequioso de paixão,

Fica no mar pulsando eternamente:

-Como se fosse o mar, que sonha e sente,

O sangue do meu próprio coração!...

*

João de Barros

2 comentários:

Aurora disse...

é um poema muito muito bonito
cheio de água e calmaria
e apesar de falar do que fala
traz menos tristeza que alegria

almariada disse...

Sobre este poema José Régio diz: «uma gaivota que se exilara - "uma gaivota êxul"»

e sobre João de Barros: «tendo Portugal tantos poetas melancólicos, João de Barros é um poeta da Alegria e da Aventura heróica.»