"Agora no verão é já dia às três e meia. (...) No pequenino largo que desafoga das mais casas a frontaria da minha velha habitação, já o velho Zé Félix tem pigarreado a sua velha catarreira, sentado em mangas de camisa nos degraus do velho adro, e rolando os polegares num moto-contínuo satisfeito.
-Ora bons dias!
O velho Laurentim, que está à espera que a loja abra, vai descerrando o postigo da porta, e cumprimenta. E duas ou três velhas mulheres começam a varruscar sobre as soleiras hipotéticos grãos de pó que pela noite devem ter vindo macular a escrupulosa pintura de almagre, que elas renovam em todas as manhãs de Nos'Senhor. (...)
Quatro horas da manhã. É dia claro. (...) Pela estrada engrossam ranchos, dando bons-dias, trocando chufas, começando cantigas; ceifeiras que requebram a marcha num dengoso meneio de quadris, moleiros, com as suas récuas de machos, todos cobertos de farinha, carrejões trazendo espigas das courelas, ou carreteando a palha das eiras... (...)
Os primeiros fumos de almoço saem das chaminés quase a direito; os hortelões apregoam na rua feijão-verde e pepinos novos: à esquina da igreja o pregoeiro avisa o povo que se perdeu a burrinha branca do Pisco, quem a achar deve ir restituí-la a seu dono. E subitamente a rua anima-se, a grande rua fidalga da vila, que até se chama Rua de Lisboa, quando ao portelo da forja surge o Patana em mangas de camisa, o maior homem da terra, espreguiçando a sua corpulência de carvalho, e troando o vozeirão, num bocejar de fazer tremer a casaria."
Fialho d'Almeida, O País das Uvas, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1893
É verdade. Até 1911, em Portugal, as horas eram as do meridiano local, dos relógios de sol. Agora as horas são legais.
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