"A cal é usada em operações mágicas. No mês de Janeiro, mês evocativo de Jano, o deus de duas caras e do dinheiro, a avidez da cal por água converte-se magicamente em avidez monetária. Se lançada junto das portas atrai dinheiro para casa. Tal é confirmado pelo preâmbulo da carta régia de 1385, destinada a expurgar a idolatria para agradar a Deus, pode ler-se: «esguardando alguns graves pecados que se em esta cidade de Lisboa de mui longos tempos acá faziam, e estremadamente pecados de idolatria e costumes danados dos gentios, que em ela de grandes tempos guardavam».
Na mesma carta se dispõe a seguir: «nenhuma pessoa use nem obre de feitiços, nem de legamentos, nem de chamar os diabos, nem de escantações, nem de obra de vedeira, nem obre de carântulas, nem de agoiros, nem de sonhos, nem de encantamentos, nem lance roda, nem meça cinta, nem se cante olhado nem guem, nem lance água per joeira, nem faça remédio outrossim algum per a saúde de algum homem ou animália, qual não conselhe a arte da física. Outrossim estabelecem que, daqui em diante, em esta cidade e em seu termo, não se cantem Janeiras nem Maias, nem a outro nenhum mês do ano, nem se lance cal às portas sob título de Jano, nem se furtem águas, nem se lancem sortes, nem se britem águas, nem se faça alguma outra obra nem observância, como se dantes faziam».
Oliveira Martins, A Sociedade Medieval Portuguesa. Aspectos de Vida Quotidiana , 4.ª ed., Lisboa, Editora Sá da Costa, 1981, p. 171.
Citado em EXERCÍCIO SOBRE A CAL, Maria Teresa Gonçalves dos Santos, Universidade de Évora - 2004
3 comentários:
!!!
tantas coisas que se faziam!!
e agora já nem sabemos quase nada disso!!
sim, isto fez-me pensar que é preciso esquecer umas coisas para descobrir outras e que talvez no futuro se fale da internet e dos telemóveis como lendas dos antigos... :)
Almariada, é verdadeiramente muito impressionante a diversidade das coisas que tu les e que se podem ler neste blog. Mando a minha admiracao :))
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