O velho pintor Wang-Fô e o seu discípulo Ling erravam pelas estradas do reino de Han.
Avançavam devagar, pois Wang-Fô parava de noite para contemplar os astros, de dia, para olhar as libélulas. Iam pouco carregados, pois Wang-Fô amava a imagem das coisas e não as próprias coisas, e nenhum objecto do mundo lhe parecia digno de ser adquirido, excepto pincéis, boiões de laca e de tintas-da-china, rolos de seda e papel de arroz. Eram pobres, pois Wang-Fô trocava as suas pinturas por um caldo de milho miúdo e desprezava as moedas de prata. O seu discípulo Ling, vergado ao peso de um saco cheio de esboços, curvava respeitosamente as costas como se carregasse a abóboda celeste, pois aquele saco, aos olhos de Ling, ia cheio de montanhas sob a neve, de rios pela Primavera e do rosto da Lua no Verão.
Marguerite Yourcenar, A Salvação de Wang-Fô e outros contos orientais, tradução de Gaëtan Martins de Oliveira, p. 13, Publicações D. Quixote, Lisboa, 2002
1 comentário:
Fiquei comovida com suas palavras... Faltou-me dizer que aquela solidão azul eu vi do Castelo de Monsaraz, aí em Portugal, em 2004... Nunca esqueci...
Bem escolhido o texto de Yourcenar... Ela encena/yourcena divinamente a escrita...
Belo encontro virtual está sendo este nosso...
Grande abraço!
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