Vladimir Kush

Vladimir KUSH, Ripples on the Ocean, (Ondulações no Oceano)

Rumi

A vela do navio do ser humano é a fé.
Quando há uma vela, o vento pode levá-lo
A um lugar após outro de poder e maravilha.
Sem vela, todas as palavras são ventos.

Jalāl-ad-Dīn Muhammad RUMI




sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Árvores do leite

Fazendo uma incisão no tronco de certas árvores elas escorrem uma substância semelhante ao leite na cor, no sabor e no valor alimentar. Este leite de árvore consome-se imediatamente ou deixa-se coalhar tornando-se semelhante ao queijo, às pastilhas elásticas e à borracha ou látex.

Eis algumas árvores do leite:

Brosimum galactodendron, Galactodendron utile

Lacmellea utilis, Tabernaemontana utilis

Manilkara hexandra, Mimusops hexandra

Euphorbia balsamífera

Gymnema lactiferum, Asclepias lactifera

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Oh!... Oh!...

"-Acredite que vale a pena, para qualquer turista, deter-se algum tempo na nossa aldeia! – observou o juiz Koltz.

-Contudo, parece ser pouco frequentada – replicou o jovem conde – e isso deve-se provavelmente a que os seus arredores não têm nada de interessante…

-Com efeito, nada com interesse – disse o biró, pensando no castelo.

-Não… nada de interesse – repetiu o magister.

-Oh!... Oh!... – disse o pastor Frick, a quem esta exclamação escapou involuntariamente.

Que olhares lhe deitaram o juiz Koltz e os outros – e mais particularmente o estalajadeiro! Seria urgente pôr um estrangeiro ao corrente dos segredos da região? Desvendar-lhe o que se passava no planalto de Orgall, chamar a sua atenção para o castelo dos Cárpatos? Não significaria isto querer assustá-lo, dar-lhe vontade de deixar a aldeia? E, de futuro, que viajantes quereriam seguir a estrada do desfiladeiro de Vulkan para penetrar na Transilvânia?

Na realidade, este pastor não revelava mais inteligência que o último dos seus carneiros.

-Mas cala-te, imbecil, cala-te lá! – disse-lhe a meia voz o juiz Koltz.

Contudo a curiosidade do conde fora despertada, e ele dirigiu-se directamente a Frick perguntando-lhe o que significavam aquelas interjeições «Oh! Oh!».

O pastor não era homem para recuar e, no fundo, talvez pensasse que Frank de Télek poderia dar um bom conselho, vantajoso para a aldeia.

-Eu disse: Oh!... Oh!... Sr. Conde – replicou ele – e não me desdigo."

Júlio Verne, "O Castelo dos Cárpatos", p. 88 e 89, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1989

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Para nos governarmos

"Coitadinhas das crianças, tão pequeninas e já sofrem tanto! Logo de manhãzinha, às sete e meia, com o frio que está, lá têm que ir para a creche... Por isso não me posso admirar de eles me porem no lar quando for velha. Eu também não os pus na creche para me governar? Eles depois também me põem no lar para se governarem!"

Ouvido hoje à empregada da limpeza do meu local de trabalho que o disse com o ar alegre e seguro de si que lhe é habitual.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Um só instante

"No momento em que a minha essência se transformar em oceano universal

A beleza dos átomos será para mim luminosa.

É por isso que eu me inflamo, como a vela, para que, na via do amor,

Todos os instantes para mim se tornem um só instante."

Djalâl-od-Dîn Rûmî, "Rubâi'yât", p. 32, Éditions Albin Michel, Paris, 2007

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Imaginação e lógica

"Introduzi numa garrafa meia dúzia de moscas e meia dúzia de abelhas; depois, com a garrafa deitada horizontalmente, voltai-lhe o fundo para a janela do aposento. As abelhas labutarão, durante horas, até que morrem de fadiga ou de inanição, a procurar uma saída através do fundo de cristal, ao passo que as moscas, em menos de dois minutos, terão saído todas do lado oposto pelo gargalo. Sir John Lubbock concluiu daí que a inteligência da abelha é extremamente limitada, e que a mosca é muito mais hábil em se livrar de apuros e encontrar o seu caminho. Esta conclusão não parece irrepreensível. Voltai alternadamente para a claridade, vinte vezes a seguir se quiserdes, umas vezes o fundo, outras vezes o gargalo da vasilha transparente, e vinte vezes seguidas as abelhas se voltarão ao mesmo tempo para o lado da janela. O que as perde, na experiência do sábio inglês, é o seu amor à luz, e é a luz a razão do seu proceder. Imaginam evidentemente que, em qualquer prisão, a libertação está do lado da claridade mais viva; procedem assim por consequência, e obstinam-se em proceder logicamente. Nunca tiveram conhecimento desse mistério sobrenatural que é para elas o vidro, essa atmosfera subitamente impenetrável, que não existe na natureza, e o obstáculo e o mistério devem ser tanto mais inadmissíveis, tanto mais incompreensíveis, quanto mais inteligentes elas são. E as moscas estouvadas, sem cuidarem da lógica, do apelo da luz, do enigma do cristal, volteiam ao acaso dentro da garrafa, e, encontrando a boa fortuna dos simples, que às vezes se salvam por onde perecem os sábios, acabam necessariamente por encontrar na sua passagem o bom gargalo que as liberta."

Maurício Maeterlinck, "A Vida das Abelhas", p. 86 e 87, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1961

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Sabes e ignoras

Para saber isto é preciso ignorar aquilo e para ignorar isto é preciso saber aquilo. Quanto mais sabes mais sabes que ignoras, quanto mais ignoras mais ignoras que sabes. E assim, tudo junto, és tu.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Secretos e patentes

Dentro do casulo quentinho a lagarta transforma-se em borboleta sem ninguém ver.

Dentro de uma cova no gelo ártico a ursa hiberna grávida e aí nascem os ursinhos.

As tocas e os ninhos onde se dorme e a vida começa são lugares mágicos e secretos, são sementes.

Nas nossas casas também nós nos escondemos para delas saírmos diferentes: com o corpo e as roupas lavadas, alegres e felizes vamos para a rua.

E, oh, como estamos contentes!, quando regressamos ao nosso buraquinho e nos ocultamos no sono onde somos todos iguais e de onde emergimos todos diferentes como as flores do campo na primavera!

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

As coisas para que nasci

"Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos."

Clarice Lispector

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Estátua de índio na ilha do Corvo - 2

«Logo Áureo viu a alma do convertido transformar-se em estrela brilhante, voando sobre a nuvem que fugia no ar. O cadáver do velho índio voava também ao lado da alma que o habitara, envolto em bruma. E a própria bruma o depôs no cume da montanha do Corvo, onde, batido do vento frio que a neve da altura mais esfria, ao sol, ao gelo e à chuva, se tornou de pedra, eterna e rija como mármore. E ei-lo ali, de arco na mão, de diadema de plumas na cabeça, vermelho na face, velho no aspecto, a apontar as plagas brasileiras aos portugueses que por aquelas regiões navegavam.

«Dir-se-ia que lhes mostrava o caminho do país prodigioso, que os incitava à gloriosa empresa de descobrir e conquistar mais essa terra de maravilha, depois de tantas que já tinha conquistado! E foi essa a sepultura, a aérea sepultura do selvagem convertido, por milagre de Deus feito estátua de pedra!...»

João de Barros, CARAMURU, Aventuras prodigiosas dum português colonizador do Brasil, Adaptação em prosa do poema épico de Frei José de Santa Rita Durão, p.23 e 24, Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa (A primeira edição desta obra é de 1931)

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

"Causaram-me tanto mal que me conduziram ao bem"

O Pregador

Havia um pregador que, nas suas orações, nunca se esquecia de elogiar os bandidos e de lhes desejar as maiores felicidades possíveis. Levantava as mãos ao céu e dizia:

«Oh Senhor: concede a tua misericórdia aos caluniadores, aos rebeldes, aos corações endurecidos, aos que enganam as pessoas de bem e aos idólatras!»

Concluía assim a arenga, sem desejar uma réstia de bem aos homens justos e puros. Um dia, os fiéis disseram-lhe:

«Não se costuma rezar assim! Todos esses bons votos dirigidos aos malvados não serão ouvidos.»

Mas ele explicou:

«Devo muito a essa gente de quem falais e por isso rezo por eles. Torturaram-me tanto e causaram-me tanto mal, que me conduziram ao bem. Cada vez que me senti atraído pelas coisas deste mundo, maltrataram-me. E todos esses maus tratos foram o motivo porque me dediquei à fé.»

Rumi, Parábolas Sufis, p.9, Fim de Século Edições, Lisboa, 2000

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Estátua de índio na ilha do Corvo



CARAMURU
CANTO I
LXIII
E quer na nuvem própria, que te indico, Que esse cadáver meu vá transportado, E na Ilha do Corvo, de alto pico O vejam numa ponta colocado; Onde acene ao país do metal rico, Que o ambicioso Europeu vendo indicado, Dará lugar, que ouvida nele seja A doutrina do Céu, e a voz da Igreja.
LXIV
Disse; e cessando a voz, e a visão bela, Viu da nuvem Áureo, que o rodeava, Trasformar-se a bela Alma em clara estrela, E viu que a nuvem sobre o mar voava: O cadáver também sublime nela, Ao cume do grão-pico já chegava; Onde a névoa, que no alto se sublima, Depõe como uma Estátua o corpo em cima.
LXV
Ali batido do nevado vento, De Sol, de gelo, e chuva penetrado, Efeito natural, e não portento É vê-lo, qual se vê, petrificado. Um arco tem por bélico instrumento (15), De pluma um cinto sobre a frente ornado: Outro onde era decente: em cor vermelho, Sem pêlo a barba tem; no aspecto é velho.
LXVI
Voltado estava às partes do Ocidente, Donde o Áureo Brasil mostrava a dedo, Como ensinando a Lusitana Gente, Que ali devia navegar bem cedo: Destino foi do Céu Onipotente, A fim que sem receio, ou torpe medo À piedosa empresa o Povo corra; E que quem morrer nela, alegre morra.
Notas (as notas 11, 12, 13 e 14 não estão assinaladas no texto)
(11) Estátua. — É estimada por prodigiosa a estátua que se vê ainda na ilha do Corvo, uma dos Açores, achada no descobrimento daquela ilha sobre um pico, apontando para a América. Foi achada sem vestígio de que jamais ali habitasse pessoa humana. Devo a um grande do nosso reino, fidalgo eruditíssimo, a espécie de que se conserva uma história desta estátua manuscrita, obra do nosso imortal João de Barros.
(12) Selvagem. — Não supomos único o selvagem, que o padre Anchieta achou em o estado que aqui se descreve. Muitos teólogos se persuadem que Deus por meios extraordinários instruíra a quem vivesse na observância da lei natural.
(13) Tupá. — Os selvagens do Brasil têm expressa noção de Deus na palavra Tupá, que vale entre eles excelência superior, coisa grande que nos domina.
(14) Suspendo. — Até aqui são os limites do lume natural, e como ele somente o alcança a filosofia; porém o remédio de natureza humana, ferida pela culpa, não pode constar-nos senão pela revelação.
(15) Um arco. — As memórias desta estátua concordam em ser o seu trajo desconhecido; toma daqui ocasião o poeta para o representar arbitrariamente.

CARAMURU: POEMA ÉPICO
Frei Santa Rita Durão, 1781

A Wikipédia tem um artigo chamado "Estátua equestre do Corvo". Tem também um artigo chamado "Moedas cirenaicas do Corvo (Açores)" sobre moedas do séc. IV a. C. que ali surgiram no séc. XVIII, cerca de trinta anos antes da publicação do poema "Caramuru" de Frei Santa Rita Durão.
Recentemente o historiador Joaquim Fernandes publicou "O Cavaleiro da ilha do Corvo", um romance histórico sobre o tema.

A Biblioteca Nacional de Portugal disponibiliza a «Chronica do Principe D. Joam» de Damião de Gois em formato digital. A referência à estátua está na página 35, carregar aqui

sábado, 10 de janeiro de 2009

Os mais ricos

"Aqueles que seguem o caminho do amor, são os mais ricos dos viventes: São ousados, francos e destemidos, não têm aflições nem preocupações, pois o Espírito Santo carrega todos os seus fardos."

Ruysbroeck (1293-1381), "As doze béguines"

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Aceitar o inexplicável

O computador não me deixava aceder ao gmail. No primeiro dia pensei que o gmail estava com problemas. No segundo dia experimentei outro computador e consegui aceder. Voltei ao primeiro: não conseguia aceder. Pedi ao técnico que fosse ver o que se passava. Ele conseguia aceder à conta de gmail dele. Eu não conseguia aceder à minha. Inexplicável. Tentou várias coisas... nada. Perguntei-lhe: «Vocês quando tiram cursos de computadores também aprendem a aceitar o inexplicável?» Ele disse que sim! :)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Nas traseiras do museu

"Nas traseiras do museu*, no Henry Crown Space Centre, modelos de planetas estavam pendurados do tecto e fatos espaciais dispostos dentro de vitrinas, juntamente com outras recordações do programa espacial das décadas de 1960 e 1970. Parti do princípio de que nas traseiras do museu veria as insignificâncias que não chegavam às exposições principais, na parte da frente. Um dos mostruários consistia numa cápsula espacial já gasta, que se podia contornar e espreitar lá para dentro. Não parecia significativa; era demasiado pequena e improvisada para ser alguma coisa realmente importante. O letreiro era estranhamente formal e tive de o ler várias vezes antes de perceber: ali estava o Módulo de Comando original da Apollo 8, a nave verdadeira que transportara James Lovell, Frank Borman e William Anders na primeira viagem da humanidade de ida e volta à Lua. Aquela era a nave cuja rota eu seguira nas férias do Natal, quando estava na terceira classe, e ali estava eu, trinta e oito anos mais tarde, com o meu próprio filho, a olhar para ela. Claro que estava danificada. Podia ver as cicatrizes da viagem e subsequente regresso à Terra. Nathaniel não demonstrou o mínimo interesse por ela, por isso agarrei-o e tentei explicar-lhe o que era. Mas não fui capaz de falar; a minha voz ficou de tal forma estrangulada pela emoção que mal consegui proferir uma única palavra. Passados alguns minutos recuperei a compostura e contei-lhe a história da viagem do homem à Lua."

*Museu da Ciência e Indústria de Chicago

Neil Shubin, Quando Éramos Peixes, Uma viagem pelos 3,5 mil milhões de anos de história do corpo humano, p.185 e 186, Estrela Polar, Cruz Quebrada, 2008

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Contos de fadas

“Se quiser que os seus filhos sejam inteligentes leia-lhes contos de fadas. Se quiser que sejam ainda mais inteligentes leia-lhes mais contos de fadas.”

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

FELIZ ANO NOVO

Filhos do Sol e da Água

engarrafados em pele suave

caminhamos sobre a Terra

como sonhos de uma árvore

.

Brincar é o nosso lema

e o que fazemos melhor

quando caímos na lama

não é com grande fragor

.

E assim somos felizes

pequenos seres do amor

despenteados de risos

ficamos cheios de calor

.

A mamã Água nos lava

e o Sol com o seu esplendor

ensina-nos uma palavra

e não o faz por favor

.

Mas como quem não quer a coisa

debruça-se do céu e olha

e nós vemos a nossa sombra

longa como uma toalha

.

que não podemos pisar

E se queremos que encolha

só temos que nos baixar

Se lhe cairmos em cima

.

ficamos no seu lugar

A vida é uma menina

que connosco quer brincar

e é sempre pequenina

.

Ah, faz a sombra saltar

abre os braços p'ra voar

canta a plenos pulmões

põe a voz a viajar

.

Brotam as flores da erva

são cores que estavam escondidas

e agora que as podes ver

já se chamam margaridas

.

Ou então amores-perfeitos

ou outros nomes assim

que são todos tão bonitos

como o teu amor por mim

.

É Janeiro, está tanto frio

e está tão cinzento o céu

que corre molhado no rio

do nevoeiro que é véu

.

Lindo, lindo, canta o bicho

escondido não sabes onde

tudo o que vês é lixo

de horizonte a horizonte

.

Porque tu foste à lixeira

e ouviste cantar paraste

se ficares à minha beira

não há quem de mim te afaste

.

Anda vamos para ali

que ali já não há lixo

as vacas pastam o verde

e ficam pretas e brancas

.

Tudo isto que tu viste

esqueceste nas tuas mangas

e agora que não tens frio

também já te não zangas

.

E é tudo muito mais fixe

quando te montas nas andas

pareces ave pernalta

quando no céu te levantas

.

Oh, vamos p'lo sonho fora

em plena madrugada

é bela a luz desta hora

ainda que seja gelada

.

E assim continuava

quadra após quadra

mas vai-me faltando a tinta

que à tinta dá a palavra

.

E não quero que ela minta

nem diga coisas de sobra

por isso o que aqui fica

e tu leste ninguém te rouba.