Vladimir Kush

Vladimir KUSH, Ripples on the Ocean, (Ondulações no Oceano)

Rumi

A vela do navio do ser humano é a fé.
Quando há uma vela, o vento pode levá-lo
A um lugar após outro de poder e maravilha.
Sem vela, todas as palavras são ventos.

Jalāl-ad-Dīn Muhammad RUMI




domingo, 31 de agosto de 2008

Conversa muda

"Minha bengala fininha

Tronquinho de cerejeira

Ajudas o meu andar

És a minha companheira

Prendo-te com minha mão

Num afago que te dou

Nossa conversa é tão muda

Como um filme de Charlot

Falamos ambas da vida

Do tempo em que eu corria

Tu eras um tronco verde

Primavera que nascia

Charlot às vezes sorri-me

Entre a mão e a bengala:

Tronquinho de cerejeira

Também tem a sua fala"

sábado, 30 de agosto de 2008

Fernando Pessoa, 1934

"Fui de passeio ao pomar

Fui ao pomar porque o vi

Não fui lá para lá ir

Mas só p'ra não estar aqui."

*

"Estamos sempre na encruzilhada.

Cada dia é vários caminhos

Possíveis. Cada hora é mais que uma estrada.

Nós, os sozinhos

De nada,

Nem escolhemos, nem queremos:

Vamos...

E, seja a via pelo areal que vemos,

Ou na floresta pela qual andamos,

Vamos para onde não sabemos

Nunca sabemos onde estamos.

E a cada hora, a cada hora,

Há que virar para a direita ou esquerda

Segundo uma lei que se ignora

Ou um impulso cujo instinto se não herda.

Sempre tantos caminhos!

E nós sem tempo para os escolher,

Apressados, ignaros e sozinhos,

Seguimos o que tem que ser.

Se é bom, se é mau o por onde ir,

Ninguém o sabe ou saberá...

Tudo é não saber e seguir:

O resto Deus dará, ou não dará."

Fernando Pessoa, Quadras e Outros Cantares, Círculo de Leitores, 1997

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Al Biruni

Al Biruni, (Uzbequistão, 973 - Afeganistão, 1048), foi um cientista tão notável que é possível que tenha feito descobertas que ainda não são compreendidas.

Al Biruni estudou tudo o que pôde: línguas, jurisprudência, astronomia, matemática, física, medicina, história, filosofia, teologia, geografia, química, geologia, ...

Al Biruni viajou, observou e escreveu livros, também de poesia. As suas descobertas mais fáceis de descrever são que a Terra é uma esfera que gira em torno do seu eixo e em torno do Sol, porque é que nos Pólos o Sol nunca nasce nem se põe, o funcionamento hidráulico dos vasos comunicantes e que as flores podem ter 3, 4, 5, 6 ou 8 pétalas mas não 7 nem 9.

"Existem detalhes fantásticos no universo que corroboram a existência de um sistema criativo e de um controlo meticuloso não explicáveis por simples causas físicas e materiais."

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

O calendário Tuscarora da Tartaruga

  • O calendário do povo Tuscarora, da América do Norte, baseia-se na carapaça da tartaruga: 13 meses lunares de 28 dias cada. Na imagem estão indicados os meses ocidentais (mais ou menos) correspondentes. Os meses rodam no sentido contrário ao dos ponteiros dos nossos relógios, com um mês a mais entre Novembro e Dezembro. As 28 divisões à volta da carapaça são os dias. Em cada mês é celebrada a festa lunar correspondente.

*

  • Se calcularmos 13 vezes 28 obtemos um ano de 364 dias. Suponho que o facto de o mês lunar servir de guia para as festas fará com que a (pequena) diferença que, a acumular-se, poderia desorganizar o calendário deve ser corrigida com um dia intercalar, mais ou menos uma vez por ano. Continuo a supor que esse dia deve ser considerado grátis ;)

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Nasrudin

Nasrudin estava a conversar com um amigo, que lhe perguntou:

- Mullah, porque é que nunca te casaste?

- Ah, meu amigo, quando eu era jovem procurei a mulher ideal. Atravessei o deserto, cheguei a Damasco, e conheci uma mulher lindíssima e espiritualmente muito evoluída, mas que se atrapalhava com as coisas triviais, do dia a dia. Procurei então em Isfahan onde conheci uma mulher com dom para as coisas materiais, da vida caseira, e que além disso se mostrou muito espiritualizada, mas não era bonita. Resolvi então ir ao Cairo. Cheguei e fui apresentado a uma linda jovem, que também era religiosa, boa cozinheira e conhecedora dos afazeres do lar. Ali estava a minha mulher ideal.

- E porque é que não casaste com ela?

- Ah, meu caro amigo, ela também andava à procura do homem ideal.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

No verão era dia às três e meia.

"Agora no verão é já dia às três e meia. (...) No pequenino largo que desafoga das mais casas a frontaria da minha velha habitação, já o velho Zé Félix tem pigarreado a sua velha catarreira, sentado em mangas de camisa nos degraus do velho adro, e rolando os polegares num moto-contínuo satisfeito.

-Ora bons dias!

O velho Laurentim, que está à espera que a loja abra, vai descerrando o postigo da porta, e cumprimenta. E duas ou três velhas mulheres começam a varruscar sobre as soleiras hipotéticos grãos de pó que pela noite devem ter vindo macular a escrupulosa pintura de almagre, que elas renovam em todas as manhãs de Nos'Senhor. (...)

Quatro horas da manhã. É dia claro. (...) Pela estrada engrossam ranchos, dando bons-dias, trocando chufas, começando cantigas; ceifeiras que requebram a marcha num dengoso meneio de quadris, moleiros, com as suas récuas de machos, todos cobertos de farinha, carrejões trazendo espigas das courelas, ou carreteando a palha das eiras... (...)

Os primeiros fumos de almoço saem das chaminés quase a direito; os hortelões apregoam na rua feijão-verde e pepinos novos: à esquina da igreja o pregoeiro avisa o povo que se perdeu a burrinha branca do Pisco, quem a achar deve ir restituí-la a seu dono. E subitamente a rua anima-se, a grande rua fidalga da vila, que até se chama Rua de Lisboa, quando ao portelo da forja surge o Patana em mangas de camisa, o maior homem da terra, espreguiçando a sua corpulência de carvalho, e troando o vozeirão, num bocejar de fazer tremer a casaria."

Fialho d'Almeida, O País das Uvas, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1893

É verdade. Até 1911, em Portugal, as horas eram as do meridiano local, dos relógios de sol. Agora as horas são legais.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

A sede que só a poesia pode saciar

"aquela sede que só a Poesia pode saciar, sem – como deve ser – a matar de todo: sede de Beleza, de Bondade, de Amor, de Sonho, de Entendimento, - verdadeira dignidade do homem"

José Régio, Poesia de ontem e de hoje para o nosso povo ler, Ministério da Educação Nacional, Plano de Educação Popular, LXIV, 1969

*

UMA GAIVOTA ÊXUL...

*

Uma gaivota êxul morreu no mar...

E o seu corpo, de cândida energia,

Sobre uma onda veio naufragar

Ao cais donde partira, certo dia...

*

Tinha as asas abrindo ao vento... O peito

Arqueado ainda, como se aspirasse

O perfume do largo - e insatisfeito

Mais distância quisesse e conquistasse.

*

E em seus olhos, que a morte não cerrara,

Tanto a sede do ignoto os desvairou

-Fiquei-me a adivinhar a visão clara

Do mundo que só ela desvendou...

*

Nesta doce manhã de Primavera

Não entristece vê-la morta assim:

-Voo quebrado à hora da quimera,

Quando a vida parece não ter fim...

*

É que nesse cadáver pequenino,

Crispado num tormento quase humano,

Não se apaga a alegria de um destino

Que foi Sol, que foi Céu, que foi Oceano!...

*

Ah! pudesse eu morrer de igual loucura,

Na avidez de voar e de partir,

Com asas de ansiedade e de aventura

Entre a graça de espumas a florir!...

*

Mas que o embalo das ondas não me traga

Ao porto onde embarcar o meu desejo:

-Que uma vaga me leve, que uma vaga

À distância me enleie o último beijo...

*

Pois eu quero julgar que o ritmo ardente

Do meu sangue, sequioso de paixão,

Fica no mar pulsando eternamente:

-Como se fosse o mar, que sonha e sente,

O sangue do meu próprio coração!...

*

João de Barros

domingo, 24 de agosto de 2008

Canção Grata

Por tudo o que me deste:

-Inquietação, cuidado,

(Um pouco de ternura? É certo, mas tão pouco!)

Noites de insónia, pelas ruas, como um louco...

-Obrigado, obrigado!

*

Por aquela tão doce e tão breve ilusão,

(Embora nunca mais, depois que a vi desfeita,

Eu volte a ser quem fui), sem ironia: aceita

A minha gratidão!

*

Que bem me faz, agora, o mal que me fizeste!

-Mais forte, mais sereno, e livre, e descuidado...

Sem ironia, amor: -Obrigado, obrigado

Por tudo o que me deste!

*

Carlos Queiroz (1907-1949)

sábado, 23 de agosto de 2008

Ler

Antes de os livros serem escritos foram escritas pedras e ossos, e antes talvez já se escrevesse na areia e nas peles.

Mas ainda antes de se inventar a escrita já se lia.

Liam-se nas nuvens os ventos e no céu as direcções donde chegam os astros e para onde vão e como se orientam os percursos.

Liam-se nos cheiros presenças e ausências, comida e perigos.

Liam-se pistas, pegadas, vestígios.

Liam-se os sons e os animais falavam porque os compreendíamos como eles nos compreendem.

Liam-se cursos de água, até mesmo subterrâneos.

Liam-se os corpos, os rostos, e os olhares de toda a gente.

E tudo isto que se lia antes de haver livros também se lê agora, como sempre.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A ignorância da origem

Aconselho vivamente a toda a gente este livro sobre a ignorância científica da origem das espécies que habitualmente se oculta com explicações mais ou menos simplistas ou complexas:

"«Estas considerações, declara Darwin, fazem-me tender a atribuir menos importancia à acção directa das condições ambientes que a uma tendência para a variação, devida a causas que ignoramos absolutamente.» Também os discipulos de Darwin consideravam que as variações se produziam ao acaso." pag. 57

Émile Guyénot, "L'origine des espèces", col. que sais-je?, Presses Universitaires de France, 1966

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Luna Lovegood

Luna Lovegood numa fotografia promocional de "Harry Potter e o Príncipe Misterioso" e Albus Dumbledore numa fotografia da rodagem do filme.

Não sou tão entusiasta dos filmes de Harry Potter como sou dos livros mas gostei destas fotografias.

Luna Lovegood é talvez a personagem com quem me identifico mais. Embora a Luna que eu imagino não seja bem assim gostei desta imagem. Acho que a vou adoptar para o meu perfil ;)

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A realidade e a falta de amor

"A realidade é um efeito provocado pela falta de amor" é o nome de uma das páginas humorísticas de Maitena que continua assim: "Quando estás enamorada tudo te parece possível (...) E tudo o que queres é... Ele: «ser feliz?» Ela: «Não! Tua!»"

As pesquisas científicas provam que o amor provoca a alteração do ambiente químico no cérebro e altera a percepção.

O importante parece ser que a alteração química do cérebro provocada pelo amor pressupõe um estado "normal" sem amor.

A ciência propõe-se, portanto, como conhecimento obtido sem amor.

Isto dá-me que pensar...

Hoje é dia de São Bernardo de Claraval, que escreveu: "O amor não busca outro motivo e nenhum fruto fora de si; ele é seu próprio fruto, seu próprio deleite. Amo porque amo; amo para poder amar."

terça-feira, 19 de agosto de 2008

PUSHKIN

  • "Quando, lá fora, a neblina
  • Cobria as vidraças,
  • Reuniam-se todos.
  • Valia a pena vê-los, Deus tenha as suas almas!
  • Encarniçando-se no jogo,
  • Dobrando as paradas,
  • Ganhando,
  • E marcando as jogadas
  • Com giz.
  • Assim, nesses tempos sombrios,
  • Os víamos absortos,
  • Em tão séria ocupação."

*

"-Quero um romance onde o herói não esgane o pai ou a mãe e onde não haja afogados. Tenho um medo horrível dos afogados.

-Oh! Romances desse género já não se fazem!"

*

"Como não possuía fé autêntica, tinha uma porção de superstições."

*

"-Espere!

-Como te atreves a dizer-me: «Espere!»

-Perdão, Excelência: o que eu disse foi: «Queira vossa Excelência esperar»."

*

"Duas ideias fixas não podem coexistir no mundo moral, assim como no mundo físico dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço."

Pushkin, A Dama de Espadas, 1834

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Paraguai

  • "Sim juro, até à morte", gritou Lugo perante milhares de apoiantes em espanhol e guarani, prometendo lutar pelo povo e estabelecendo como prioritário o combate à pobreza (que afecta 40% dos paraguaios): "Recuso-me a viver num país onde algumas pessoas não dormem por medo e outras por terem fome."
  • República del Paraguay (em castelhano) Têta Paraguái (em guarani) - Origem do nome: possivelmente derivado do Rio Paraguai. A palavra Paraguai pode ser originada de Água dos "Payagua", uma tribo nativa da região ou então a junção das palavras de "paragua" e "i", que significam "rio coroado".

A propósito dos guarani é bom saber que "os povos indígenas continuam existindo (e crescendo demograficamente!)" Aproximadamente cem mil paraguaios pertencem aos cerca de quatrocentos povos nativos.

domingo, 17 de agosto de 2008

Trabalhar para o Estado

As pessoas que trabalham para o Estado não trabalham para o Estado, trabalham para toda a gente. São, talvez, escravas públicas, embora, na prática, sejam - ainda por cima quase sempre de boa vontade - escravas dos seus superiores (hierárquicos, normalmente, mas pode até nem ser o caso, ou ser o inverso).

Trabalhar para toda a gente parece ser um conceito muito difícil de assimilar. A maioria dos funcionários públicos tem dificuldade.

O uso de pronomes possessivos pelos trabalhadores do Estado podia ser um tema de estudo muito interessante, que permitiria compreender muito melhor o Estado, a natureza humana e a interdependência entre eles.

ver também: as pessoas cheias de vontade

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Navegador solitário português chega a Timor

Genuíno Madruga está em Timor.

«Na praia em frente ao Palácio do Governo, diversas Entidades, os Escuteiros e muitas pessoas que receberam com músicas tradicionais o primeiro Português que navegando em solitário aportou a Díli.» Genuíno Madruga, «o primeiro navegador solitário português a passar por este país com o qual Portugal tem profundas afinidades históricas.»

«Em Novembro de 1999 Genuíno Madruga adquiriu na Alemanha um veleiro com pouco mais de 11 m e 14, 45 ton., a que deu o nome de Hemingway em homenagem a Ernest Hemingway e à sua obra O Velho e o Mar»

No Hemingway Genuíno Madruga deu a volta ao mundo, sozinho, de 2000 a 2002 e está agora a dar a segunda volta ao mundo, também sozinho.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Preocupações

Agostinho da Silva aconselhou-nos a não nos pré-ocuparmos, a ocuparmo-nos apenas. A preocupação afasta-nos do agora - e é sempre agora: o agora não tem princípio nem fim.

Um dos efeitos das notícias é precisamente preocupar-nos. E, além de nos preocupar, convencer-nos que é nosso dever vivermos preocupados, que a nossa preocupação é útil.

A preocupação é falta de fé. A violência e a preocupação aliam-se para dificultar a confiança.

A visão materialista do mundo, mais do que "bens" materiais, produz motivos de preocupação.

O pictograma chinês antigo para preocupação representa uma pessoa a andar devagar com a cabeça e o coração perturbados. Zhongwen é um site onde se pode aprender muito. Experimentem ir ver como se escreve "worried" em chinês.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Hoje é dia de Santa Clara de Assis

"Clara nasceu em Assis, no ano 1193, no seio de uma família da nobreza italiana, muito rica, onde possuía de tudo. Porém o que a menina mais queria era seguir os ensinamentos de Francisco de Assis."

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Lixo zero

"Há cinco anos a aldeia de Kamikatsu, no sudoeste do Japão, iniciou um ambicioso projecto ambiental que, se for bem sucedido, poderá tornar-se um modelo para o resto do país, e para além dele.
Em 2020, os 2000 habitantes da aldeia pretendem ter eliminado o uso de aterros e incineradores e, em vez deles, proceder à reutilização ou reciclagem de todos os resíduos domésticos. Recentemente o jornal The Guardian acompanhou durante um dia os improváveis eco-guerreiros do Japão na aldeia dos zero resíduos."
Para já os habitantes da aldeia separam o lixo em 34 categorias!

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

110 soldados para combater uma praga de gafanhotos

  • Leia este bocadinho de história de São Facundo! :)
  • A fotografia veio daqui. (É preciso baixar bastante até a encontrar mas vale a pena ler a história que a acompanha!)

Deixo também uma chamada de atenção para um blog que já está encerrado mas vale a pena explorar: Dias com Árvores

Maria Manuela da Conceição Carvalho Margarido

  • "Sinto-me como a última geração do que se convencionou ser o império português. Há no meu sangue uma mistura de continentes, nos meus afectos uma mistura de gentes, na minha formação a cultura portuguesa, na minha poesia o resumo do pulsar da minha ilha.
  • Nasci na Roça Olímpia na ilha do Príncipe, S. Tomé e Príncipe, a 11 de Setembro de 1925. O meu pai, David Guedes de Carvalho, era de uma família judia do Porto, de nome Pinto de Carvalho. A minha mãe era mestiça, filha de angolana e indiano. O meu avô materno era descendente de uma família Moniz, de Goa, e trago bem marcada a fusão das minhas origens.

Comecei a viajar para Portugal muito nova. A primeira vez que aqui estive tinha apenas três anos e fui baptizada em Lisboa.

A minha mãe morreu cedo e dos meus irmãos, só a Maria Helena está viva. Um dos irmãos foi juiz na Madeira, Moçambique e Angola. Ficaram sobrinhos, um deles meu afilhado, também é advogado. No Princípe e em S. Tomé, tenho uma cunhada, sobrinhos e a minha prima Julieta do Espírito Santo, entre outros parentes menos próximos.

Apesar de ter passado grande parte da infância em S. Tomé e Princípe, não falo, fluentemente, o crioulo. Filha de professora e de juiz, havia na minha casa a pretensão de que os filhos fossem um exemplo no modo de se expressar. O professor Lindley Cintra costumava gabar a correcção do modo como me expressava na nossa língua.

Fiz a minha escolaridade num Colégio de franciscanas em Valença do Minho e, depois, no Sagrado Coração de Maria, em Lisboa. Por esse tempo, a madre-geral do Sagrado Coração era americana e tinha o hábito de organizar uma cerimónia no final do ano lectivo onde apresentava as classificações finais das alunas. Eu tive boas notas e vinte valores em comportamento, em delicadeza, em pontualidade. A madre, muito simpaticamente, exclamou: vinte e um valores! Eram os frutos da mentalização inculcada pelo meu pai que nos dizia que, como judias e mestiças, deveríamos estar melhor preparadas do que as outras raparigas para vencer na vida. Foram palavras que me marcaram para sempre.

Voltei para África nas vésperas da guerra. Todos nós, africanos, voltámos para casa.

Regressei de S. Tomé muito doente e fui para Valença do Minho repousar. Curei-me graças aos cuidados do Dr. Tapian, um médico muito considerado na época.

Casei em Lisboa e por aqui fiquei muitos anos.

Estive sempre atenta aos anseios dos africanos que aqui estudavam. Encontrávamo-nos na Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, onde participava em actividades culturais, com residentes de todas as colónias. A Associação C.E.I. foi fundada em 1943 e era a fusão de diversas Casas de Estudantes oriundos de todo o espaço do ultramar português. (...) Era uma iniciativa apadrinhada pelo regime.

(...) Lembro-me de que, no chão de uma sala, havia um grande mapa com todas as colónias da autoria do Arquitecto Trofa Real, de Angola, que também frequentava a Casa.

(...) A Casa dos Estudantes do Império estava organizada por secções autónomas: de Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, e assim sucessivamente. Assegurava alojamento e tinha cantina própria. Era, também, lugar de convívio e de cultura: organizavam-se exposições, colóquios, recitais, bailes e actividades desportivas. As produções literárias dos associados eram publicadas na revista Mensagem, fundada por Carlos Ervedosa, Alfredo Margarido e Costa Andrade e constitui, hoje, uma obra de referência das primeiras produções de poetas e escritores da lusofonia.

Eu colaborava nos eventos culturais e aparecia por lá para conversar. Falávamos de livros, da situação política nacional e internacional e, naturalmente, das nossas terras.

Estiveram lá Amilcar Cabral, Agostinho Neto, Chissano, Fernando Mourão, Narana Cossoró, Rui Romano, Francisco Tenreiro, meu amigo pessoal, entre outros de que não me lembro agora.

O Francisco Tenreiro foi muito importante para as gerações seguintes do arquipélago pela consciência étnica que imprimia nas suas poesias. Através dele seguimos de perto o pensamento e a obra de Senghor e de Aimé Césaire que, de certa forma, se tornaram nossos mentores do mesmo modo que foram referências históricas para a África negra. (...) Os meus poemas tornaram-se mais africanos.

Em Alto como o Silêncio (Lisboa, 1957), a minha poesia é a saudade dos sons, cheiros, luz e, também das angústias, dos medos e sonhos da minha ilha. As minhas composições falam dos homens, dos pássaros, dos cacaueiros, dos coqueiros e do mar que nos libertava e nos oprimia.

(...) Na década de sessenta começaram as perseguições e os exílios.

Em 1965, a PIDE/DGS selou as portas da Casa dos Estudantes do Império e o ficheiro foi apreendido para facilitar as identificações. Esse ficheiro está, agora, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Em 1993, a Câmara Municipal de Lisboa celebrou os cinquenta anos da fundação da Casa e publicou uma brochura alusiva ao acontecimento.

Em 1962 fui presa, em Caxias, pela P.I.D.E. Eu tinha conhecido Salazar nas festas centenárias da cidade de Guimarães, era então aluna num colégio de Valença e, como tinha boa voz, fui escolhida para, com o Amândio César, darmos as boas vindas a Salazar. E ele beijou-me! Eu repetia para a P.I.D.E. que o Salazar me tinha beijado, que era amiga do Cardeal Patriarca, mas de nada me valeu. Afinal, nós queríamos tão somente a autonomia das colónias, inspirados no modelo francês. Ninguém nos ouviu.

A minha poesia tornava-se num grito de liberdade. Em Vós que ocupais a nossa terra (1963), denuncio "a cobra preta que passeia fardada", a polícia e os soldados do continente, tema que foi recorrente na minha poesia de contestação. É um poema muito dorido e que reflecte o sentir da geração esclarecida das ilhas nessa época.

O espartilho da censura e da opressão política empurrou-me para o exílio. Fui para Paris onde fiquei trinta anos. Fiz lá a minha formação académica. Diplomei-me em Ciências Religiosas na École Pratique des Hautes Études, onde fui aluna de Roland Barthes. Licenciei-me em Letras (Fui aluna de Francastel) e estudei Cinema. Fui secretária-bibliotecária do Instituto de Estudos Portugueses e Brasileiros da Sorbonne, e secretária da Liga Portuguesa do Ensino e da Cultura Popular em Paris. Também fiz teatro, quando era dirigido pelo Benjamim Marques. Com o Carlos César fiz a Barca de Gil Vicente. Ia colaborando em jornais e na revista Estudos Ultramarinos.

(...) Continuei a escrever sobre temas africanos e publiquei Os Poetas e Contistas Africanos (S. Paulo, 1963); Poetas de S. Tomé e Príncipe, (Lisboa, 1963); Nova Soma de poesia do mundo negro "Présence Africaine nº 57" (Paris, 1966).

Depois da Revolução de Abril, iniciou-se uma nova fase na minha vida, talvez mais aliciante ou, espero, mais útil à minha pátria recém-nascida. Era a oportunidade de dar a conhecer aquelas ilhas que amo, pequenos pontos no Atlântico Sul para os grandes países da Europa, procurar dar a conhecer a cultura própria das suas gentes. Tenho orgulho em ter sido embaixadora de S. Tomé e Príncipe em dez países (dos quais Inglaterra, Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Suécia e Noruega) e oito organizações (entre elas a UNESCO e a FAO).

Quando Mário Soares foi Presidente da República Portuguesa, ocupei o lugar de consultora para os assuntos africanos.

Enquanto fui embaixadora, foi com muita emoção que ocupei o lugar em Paris, a cidade onde cresci culturalmente. Para além dos assuntos relacionados com as minhas funções oficiais foram importantes as relações de amizade.

(...) Acabada a minha tarefa, pensei voltar à ilha do Príncipe onde ainda sou proprietária da Roça Olímpia, uma grande extensão de coqueiros, cacaueiros e cafézeiros que se espraia pela costa. Mas não tenho meios económicos nem saude para a explorar. (...)

Sempre tive consciência de que os valores portugueses nos tinham formado as raízes do pensamento, até no modo como reagimos à colonização. (...)

Fez-se a descolonização e o meu país sentiu-se livre. Mas independência não foi nem é tudo. Há muito para fazer em toda a África, é necessário e urgente cuidar da língua portuguesa, para que se mantenha. Estou confiante de que outros virão para concretizar os sonhos da minha geração, talvez de outro modo porque os tempos exigem sempre desafios diferentes. A nossa utopia será substituída por outras utopias que darão sentido às lutas por um mundo melhor.

Gosto de pensar que tantos anos de perseverança num ideal, que se concretizou ao longo da minha vida, é reconhecido aqui e lá no meu pequeno país"

Faces de Eva, Revista de Estudos sobre a Mulher, Número 9, Ano 2003, Lisboa, Edições Colibri

A fotografia veio daqui.

Achei tocantes os comentários à notícia da morte da poetisa e diplomata são-tomense no jornal Público de 11 de Março de 2007.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Índios sem contacto com a civilização

Vimos ao mundo para rezar e amar

  • "Ao homem foi confiada uma nobre missão: rezar e amar. Nisto consiste a sua felicidade.
  • Rezar nada mais é do que estar em união com Deus. Quando o nosso coração é puro e está unido a Deus, somos consolados e plenificados com a sua ternura. Somos iluminados pela sua luz divina. Nesta íntima união, Deus e a alma assemelham-se a dois pedaços de cera que se fundem. Não podem mais viver separados. Nada existe de mais maravilhoso do que a união de Deus com a sua criatura limitada e insignificante.
  • Esta felicidade ultrapassa qualquer conhecimento.

Falhamos porque somos incapazes de rezar.

Deus, entretanto, permitiu, na sua bondade, falarmos à ele.

Nossa oração é como um incenso agradável à Deus. Meus filhos, pequenos são os vossos corações, mas a oração dilata-os e os torna capazes de amar a Deus ... " (São João Maria Vianney).

Para saber mais sobre São João Maria Vianney, o santo do dia 4 de Agosto, carregue aqui.