Vladimir Kush

Vladimir KUSH, Ripples on the Ocean, (Ondulações no Oceano)

Rumi

A vela do navio do ser humano é a fé.
Quando há uma vela, o vento pode levá-lo
A um lugar após outro de poder e maravilha.
Sem vela, todas as palavras são ventos.

Jalāl-ad-Dīn Muhammad RUMI




quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A morte da galinha

Em certa ocasião, Galinha e Galito foram ao nogueiral e combinaram que aquele que achasse uma noz a repartiria entre si. Nisto a Galinha encontrou uma noz enorme, mas não disse nada, pois a queria comer toda. A noz, porém, era tão grande que, ao engoli-la, ela lhe ficou atravessada nas goelas. Viu-se em tamanhos apuros que, temendo morrer asfixiada, começou a gritar:

-Galito, por favor, corre quanto possas, vai até à fonte e traz-me água, pois me sinto morrer.

O Galito deitou a correr tão rapidamente quanto podia e, ao chegar à fonte, pediu-lhe:

-Fonte, dá-me água; a Galinha está no nogueiral, tem uma enorme noz atravessada nas goelas e vai morrer asfixiada.

E a fonte respondeu-lhe:

-Vai ter com a noiva e pede-lhe um fio de seda de cor.

Logo o Galito se meteu a correr para a casa da noiva a pedir-lhe:

-Noiva, dá-me um fio de seda de cor, que levarei à fonte para ela me dar água, para eu levar à Galinha que está no nogueiral, com uma noz atravessada nas goelas, quase a asfixiar.

Respondeu-lhe a noiva:

-Corre, primeiro, a buscar-me uma grinalda que me ficou presa num ramo de salgueiro.

E Galito correu até ao salgueiro e, desprendendo a grinalda do ramo, levou-a à noiva. E a noiva deu-lhe o fio de seda de cor que ele foi levar à fonte. Galito levou então a água à Galinha, mas já era tarde; quando chegou, a Galinha, asfixiada, estava estendida no solo, imóvel. Ficou o Galito tão triste, que rompeu em amargo pranto e, ao ouvi-lo, todos os animais acorreram a compartilhar a sua dor. Seis ratos construíram o coche para conduzir a Galinha à sua última morada e, quando o cochezinho estava pronto, atrelaram-se a ele. Galito fez de cocheiro. Porém, a meio do caminho, apareceu a raposa:

-Aonde vais Galito?

-A enterrar a Galinha.

-Deixas que te acompanhe no coche?

-Sim, porém atrás terás de sentar-te,
Senão meus cavalinhos não poderão levar-te.

Sentou-se a raposa na parte de trás e, sucessivamente, foram para lá subindo o lobo, o urso, o veado, o leão e todos os animais do bosque, e assim continuou a comitiva até chegar perto de um riacho.

-Como passaremos para o outro lado? - perguntou o Galito.

Ora estava ali uma palha que lhe respondeu:

-Atravesso-me no rio e podereis passar por cima de mim.

Porém, ainda os seis ratos não tinham chegado ao meio da ponte improvisada, quando a palha se afundou e com ela os ratos que morreram afogados. Ante tais apuros, aproximou-se uma brasa que disse:

-Sou bastante comprida e chego duma margem à outra. Passareis por cima de mim.

E atravessou-se por cima da água; mas, mal esta lhe tocou, ouviu-se chiar e a brasa ficou morta.

Ao dar por isto, veio uma pedra compassiva que quis ajudar o Galito e se pôs, por sua vez, sobre a água. Atrelou-se o próprio Galito ao coche e, quando já estava quase a depor a Galinha em terra firme, dispôs-se a puxar os que iam da parte de trás. Como o peso era excessivo desconjuntou-se o coche e todos se afogaram. Galito ficou só com a Galinha; cavou-lhe a sepultura, erigiu-lhe um túmulo e ficou-se a chorar em cima dele, até que se finou.

E assim morreram todos. Estas desgraças aconteceram, afinal, porque uma galinha glutona quis comer, sozinha, uma noz grande.

"Outros Contos de Grimm", p. 9 a 11, Tradução livre de Salomé de Almeida, Colecção Azul, Casa do Livro Editora, Lda., Lisboa, Setembro de 1979

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