EXORCISMO PARA AS MÃES VOLTAREM DOS MONTES
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Cesse o ímpio desterro, ó Mães, e redivivo
Restaure o rito as torres das primeiras crenças!
Vossa espectral ausência foi-nos tempo perdido
Em factícias ciências.
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Fomos nós que fugimos ou vós as foragidas
De um descarnado credo? e em vagos horizontes
Do nosso sangue errais, a prantear-nos longínquas...
Ó Mães, descei dos montes!
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Estorcem-se em batalhas os campos dolorosos
E, numa correria por sonhos maus, em trânsito,
De uma guerra em guerra, somos um vaguear de autómatos
Numa névoa de sangue.
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Perdulários perdemos os nossos nomes próprios
E nas cinzas do verbo os números ensinam
A lógica mais triste de sermos uns para os outros
Motivos de chacina.
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Antes que as flores expirem numa lenta agonia,
Passe um bando de mísseis e nos leve nas garras,
De iluminar o nada a luz fique vazia
E apodreçam as águas.
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Antes que o tempo venha morrer nos nossos olhos,
Voltai do monte, ó nácar das madrugadas rústicas!
Ó Mães! Se os próprios deuses são vossos filhos pródigos,
Perdoai nossas culpas!
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Das moradas do ser éreis o muro e a telha,
Lençol tecido por mistérios femininos;
Numa inocência agrária, a lenha, o linho e a ideia
Segura dos caminhos.
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Éreis, de madrepérola, os pilares dos deuses claros,
A pureza do pão e a limpeza dos ventos.
Foi isto há tanto tempo. Para que estrela mudastes
As colunas do templo?
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Onde cantam as aves que emudeceis nos ecos?
Nascem e morrem os deuses. Só vós que os procriais
E lhes fiais os fados sois por cima dos séculos
Puramente imortais.
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Vinde, sábias de novo, inspirar os oráculos,
Expulsar dos vaticínios os restos funerários.
Apressai-vos, ó Mães! que as pestes já estão prontas
Nos nossos calendários.
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No tráfego da ira, semáforos nucleares
Já impedem o trânsito para as últimas esperanças.
Vinde, meigas e mágicas ó fadas minerais
De perdidas lembranças!
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Com a frescura da origem voltai e novamente
Brilhe o ovo de prata de que somos nascidos,
A paz entre nos sonhos; e à casta nascente
Retrocedam os rios.
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Cesse o nosso castigo, Mães, despregai da cruz
A estampa triste deste agonizar infindo.
O deus prostrado e tétrico que ensanguentou a luz
Também é vosso filho.
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Que pomba nos trará notícias do armistício,
Que rosa nos trará um perfumado rasto
Quando um deus condenado à lição do suplício
Diviniza o holocausto?
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Libertai-o e entre os deuses dai-lhe o lugar sadio
De filho humilde às vossas sentenças naturais.
Adorar só um deus é um orgulho sacrílego
Que não nos perdoais.
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Vinde fartas e férteis, claras vogais do verbo
Formosíssimas ânforas de bondade uterina!
Esconjurai, ó frutíferas!, os senhores dos ponteiros
Que marcam a chacina.
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Natália Correia, O Armistício, Col. Autores de Língua Portuguesa, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1985
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in: Matilde Rosa Araújo, A infância lembrada, Livros Horizonte, Lisboa, 1986