Vladimir Kush

Vladimir KUSH, Ripples on the Ocean, (Ondulações no Oceano)

Rumi

A vela do navio do ser humano é a fé.
Quando há uma vela, o vento pode levá-lo
A um lugar após outro de poder e maravilha.
Sem vela, todas as palavras são ventos.

Jalāl-ad-Dīn Muhammad RUMI




segunda-feira, 30 de novembro de 2009

халва

Descobri a halva (julgo que se lê kalvá) há alguns anos, numa loja russa em Liège, na Bélgica. A senhora da loja quase não falava francês e eu não falo russo. Fiquei surpreendida com o aspecto deste alimento e julguei que fosse necessário cozinhá-lo de algum modo mas a senhora disse-me que não, que era para comer assim mesmo e eu experimentei. É doce e tem uma consistência única, tal como é único o seu aspecto.

Ultimamente surgiram lojas russas também em Portugal. Fiz a surpresa de levar halva para a sobremesa, num jantar em casa de uma amiga, e a cara que os filhos dela fizeram quando a viram fez-nos rir com muito gosto! É cinzenta e mais ou menos do tamanho de um pão de forma mas não é necessário comprar inteira, compra-se a quantidade que se quer. Também há em caixas de plástico, mas gosto mais desta a vulso.

sábado, 28 de novembro de 2009

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

entregar o nome à censura do publico

Dedicatória de "Novos Contos de Fadas" (1857) primeiro livro publicado pela Condessa de Ségur:

A MINHAS NETAS

CAMILA E MADALENA DE MALARET

Aqui tendes os contos que tanto vos distraíram e que vos prometi publicar.

Quando os lerdes, queridas netas, lembrai-vos da avozinha que, para vos ser agradável, saiu da sua obscuridade e entregou à censura do público o nome da

CONDESSA DE SÉGUR

(Rostopchine)

A capa é de Marcel Marlier, o ilustrador belga.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

o corpo insurrecto

Sendo com o seu ouro, aurífero,

o corpo é insurrecto.

Consome-se, combustível,

no sexo, boca e recto.

Luísa Neto Jorge, Terra Imóvel, 1964

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

a arca de Fernando Pessoa

Acabo de descobrir que a arca com os poemas de Fernando Pessoa e heterónimos está na net: carregue aqui!

terça-feira, 24 de novembro de 2009

o sonho de um gozo / no gozo não é sonho

Cada momento que a um prazer não voto

Perco, nem curo se o prazer me é dado,

Porque o sonho de um gozo

No gozo não é sonho.

Ricardo Reis

in Silva Bélkior, Texto Crítico das Odes de Fernando Pessoa - Ricardo Reis, p. 264, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1988

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

a paixão de ler

ler grandes textos no écran do computador torna a leitura difícil e desagradável e por isso dificilmente teria acreditado que havia de ler 264 páginas tão de seguida quanto possível e lamentando amargamente cada interrupção - mas a capacidade de me surpreender a mim mesma continua a existir.

o que me fez perder a cabeça de tal maneira que praticamente tudo o mais deixou de existir, foi "o sol da meia noite" escrito por Stephenie Meyer.

ela andava a escrever o texto para vir a ser um livro mas alguém o publicou na internet sem o seu consentimento e a partir de então ela resolveu pô-lo no seu próprio site, para que os leitores não se sentissem mal de o lerem noutros, e desistiu de continuar a escrever "o sol da meia noite" - o que lá está é o que há e ela diz que não vai haver mais, nem vai haver livro.

está em inglês e deixo aqui o link, sem mais comentários.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

a paixão pelos livros

As pessoas que gostam de livros devem trabalhar em bibliotecas? As pessoas que trabalham em bibliotecas não devem gostar de ler? Tentamos descobrir a verdade e traduzi-la em frases, mas ela não se deixa apanhar, nem se importa com o que dizemos.

O maior ladrão de livros terá sido o conde italiano Guglielmo Libri (1803-1869) e "libri" quer dizer "livros" em italiano, mas era um dos seus nomes de família e não uma alcunha.

Excelente matemático, Guglielmo Libri estudou na universidade de Pisa onde foi nomeado professor aos 20 anos. Provavelmente não gostou de ensinar porque no ano seguinte pediu uma licença sabática e foi para Paris.

Escreveu uma história matemática para a qual se apropriou de livros e manuscritos de Galileu, Fermat, Descartes e Leibniz na Biblioteca de Florença.

Em França foi nomeado inspector das Bibliotecas Públicas e terá levado mais de trinta mil livros consigo quando fugiu para Inglaterra antes que o prendessem.

Membro da Academia das Ciências Francesa e detentor de uma Legião de Honra imagina-se que o processo não tenha sido simples.

Depois da sua morte a maioria dos livros voltou para as Bibliotecas de onde os tinha levado.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

simplificar a linguagem: Toki Pona

Toki Pona = linguagem simples ou linguagem boa, foi criada para dizer o máximo usando o mínimo: 123 palavras e 14 sons.

Toki Pona baseia-se na tradição espontânea de criar uma língua comum por pessoas que falam línguas diferentes.

Foca-se nos elementos universais da vida: pessoa, comida, água, bom, dar, dormir, ... e elimina todos os conceitos que ultrapassem as necessidaes básicas de sobrevivência e comunicação.

O conceito fundamental é Pona = bom, simples.

É uma linguagem que em vez de desligar da experiência directa através de conceitos abstratos e complexos, religa o falar ao ambiente em que ocorre, ao agora da comunicação.

As suas 123 palavras têm origens muito diversas.

sábado, 14 de novembro de 2009

ler muitos livros

"Era uma sensação estranha - não surpreendente, supunha, porque agora tudo me parecia estranho - sentir-me natural em alguma coisa. Como humana, nunca fora a melhor em coisa alguma. (...) Nunca ninguém me atribuíra um prémio por ler muitos livros. Ao fim de dezoito anos de mediocridade, estava mais do que habituada a ser uma criatura mediana. Agora apercebi-me de que pusera de lado, há muito tempo, a aspiração a ser brilhante em algo. Limitara-me a fazer o melhor que podia, com o que tinha e sem nunca me adaptar totalmente ao meu mundo."

Stephenie Meyer, Amanhecer, p. 522, Gailivro, Alfragide, 2009

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

por aí fora...

  • as percepções e as ideias fluem, relacionam-se intimamente. acontecimentos reais e (i)maginários concatenam-se numa realidade bem mais vasta que aquela à qual achámos por bem reduzir-nos e que convém, sobretudo, às mentes circunscritas e quanto mais se circunscrevem. e, no entanto, todos participamos de uma realidade absolutamente vasta e inextinguível. da qual ignoramos tudo excepto que é dela que provimos, é nela que vivemos e a ela que regressamos. nada desconhece, porque tudo lhe pertence. chamamos-lhe natureza, mas alguns seres destacam-se no nosso sentimento de... há palavras para isto noutras línguas que nos provocam o mesmo sentimento. as palavras são poderosos acontecimentos. acontecimentos poderosos. completamente fluídas, fluem sem deixar rasto, ou deixando-o demasiado profundo na paisagem mental. roubam-se palavras, aqui e ali, deformam-se, são postas a dizer o que não dizem e mil e um outros jogos de linguagem.
  • para quê? porque vivemos aí. a realidade é tão, oh, mais vasta, sem limites, nem que a possas saber infinita ou finita. nenhumas palavras lhe convêm porque é dela que todas provêm e nela que são esquecidas. este útero infinito, de onde provimos já no para cá. para cá de algo que não deixámos de saber e nos proporciona acesso a linguagens tão variadas quantas se podem imaginar.
  • uma boa história é a que nos transporta, não apenas sem esforço mas com deliciosa e profunda antecipação. o medo é profundo mas ela é mais profunda ainda e muito, muito mais vasta, porque o contém. a ferocidade existe. mas é ela que a produz. o sentimento de reverência, a reverência profunda é também ela que a produz. nada desconhece, nada retém e tudo regressa como se fosse para a frente. que sabemos nós de frente e verso do universo? que é e ainda não é tão vasto como ela, a fonte de toda a luz e todas as trevas.
  • chama-lhe andar. chama-lhe caminho. eis que descobres o fundamental? é provável que a tua mente se abra, vá abrindo, como a flor que pode vir a ser fruto, semente, árvore que se eleva sobre os muros ou cresce em densas e vastas assembleias que inspiraram os pilares com que construímos não tão vastos abrigos comunitários.
  • das florestas viemos, fomo-las destruindo, primeiro devagarinho, elas não tinham fronteiras, era tudo floresta, excepto onde secava em vastos desertos, se humedecia em mares ou gelos... infinitas maravilhas. rios onde o ouro brilhava.
  • as nossas histórias são todas sagradas, sobretudo as profanas. escatologia e sublime brotam do mesmo chão. chão, água, água, chão. navegar em mares sem fim, encalhar em canais estreitos, tudo é navegar.
  • voar em sonhos faz parte da vida. tudo faz parte da vida, no lado de cá, e brota do lado de lá e lá existe e lá deixa ou não deixa marcas visíveis e invisíveis, e para lá regressa.
  • palavras que criam, destroem, matam, ou amparam, confortam, maravilham. palavras para tudo o que nos conseguirmos lembrar, tudo o que nos ocorrer e conforme ocorre. o país das maravilhas não é ainda suficientemente onírico. limita-se a subverter a lógica, não a libertar-se dela. a lógica é uma grelha, uma estrutura, um esqueleto. e tudo se resume aí, esquecendo que as maravilhas da carne, como as suas podridões, não são mais nem menos reais. tudo é real de maneiras diferentes. mil e uma é ainda uma metáfora para o que não vale a pena contar, a areia no deserto, as estrelas no céu, os brilhos do mar.
  • os campos de gelo, os pântanos intermináveis, tudo é real.
  • mas as tuas crenças limitam-te. não sabes interpretar o canto dos pássaros, nem a direcção do vento, não conheces o perigo eminente da caçada. desdobras-te em eu e tu, em ti e ele, em ti e ela, em nós, em vós, e neles. Nós, escondido, no meio, é o mais vasto. Aqui, lá, além e mais além. "até onde levar a força humana".

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Louvor da Srª Conceição

Com fermento e água

e com as mãos

fecundava a farinha.

Os punhos

cavavam, possuíam

a massa borbulhante

e ainda amarga.

Por fim

antes do fogo

cobria os filhos que fizera.

António Osório, A Raiz Afectuosa, 1965-1971

in António Osório por Eduardo Lourenço, p.54, Presença, Lisboa, 1984

A fotografia veio daqui, onde se podem ver fotografias recentes e antigas de Dogueno, um monte alentejano perto de Almodôvar.

domingo, 8 de novembro de 2009

aqui é domingo

são cinco da tarde, está de chuva e é quase de noite, que bom!

estamos tão habituados ao domingo que nem reparamos que é uma convenção, que a natureza não tem domingos, nem a maior parte das culturas

a globalização do domingo é recente, ainda há muitos lugares no mundo onde não é domingo mas onde as pessoas sabem exactamente qual é o dia lunar - a imagem é do calendário hindu

qual de nós sabe qual é hoje a fase da lua?

o domingo é o herdeiro cristão do sábado judaico: "o Criador descansou no sétimo dia"

os muçulmanos respeitam a sexta-feira pelo mesmo motivo e devido à mesma herança

os chineses e japoneses tinham e têm divisões do mês de dez dias

aos 30 anos escrevia assim

Se pudesses assegurar-me

cada vez que me sinto insegura!

Amparar-me a cada

amargura! Embalar-me quando

choro... Retomar-me cada vez

que fujo! Chamar-me quando

ensurdeço. Amar-me

quando me enamoro. Amar-me

cada vez que me esqueço!

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A história de =

Até ao séc. XVI era preciso escrever sempre "é igual a" na língua vernácula ou em latim "aequalis" ou a sua abreviatura "ae".

No séc. XVI alguns matemáticos lembraram-se de criar um símbolo. Usaram primeiro duas rectas verticais.

Robert Recorde escreveu no seu livro "The Whetstone of Witte" (a pedra de afiar do espírito), que foi publicado em 1557: "para evitar a entediante repetição destas palavras: é igual a: estabelecerei, como faço habitualmente no meu trabalho, um par de paralelas ou linhas gémeas da mesma largura, isto é: =, porque não há nada que possa ser mais igual que duas linhas"

terça-feira, 3 de novembro de 2009

as pessoas cheias de vontade

Ocupam-te a mente. Não te permitem saber quem és, obrigam-te a ser o que elas querem. Se lhes obedeces ficas em dívida, se não obedeces castigam-te. Desprezam-te ou lisonjeiam-te conforme lhes convém, enganam-te com mentiras e verdades. Se te deixas enganar escravizam-te, se não te deixas enganar vingam-se. A felicidade delas depende da tua dependência. Ensinam-te a agradecer quando não te maltratam. As pessoas cheias de vontade são muito susceptíveis: ofendem-se facilmente, facilmente caluniam, mas também te perdoam se reconheceres os teus erros: precisam sempre de escravos.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

o esquecimento das sensações

Os acontecimentos são fáceis de recordar, mas o mesmo não se passa com as sensações que os mesmos acontecimentos nos causaram. Tudo quanto sei é que, à medida que estes acontecimentos se produziam, parecia-me que a natureza humana era incapaz de suportar uma dor maior.

Edgar Allan Poe (1838), Aventuras de Arthur Gordon Pym, p.145, Estampa, Lisboa, 1988