Vladimir Kush

Vladimir KUSH, Ripples on the Ocean, (Ondulações no Oceano)

Rumi

A vela do navio do ser humano é a fé.
Quando há uma vela, o vento pode levá-lo
A um lugar após outro de poder e maravilha.
Sem vela, todas as palavras são ventos.

Jalāl-ad-Dīn Muhammad RUMI




segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

analema 2013

Analemma em Kumagaya, Saitama, Japão, às 7 horas da manhã. 

Fotografada por Masayuki Shiraishi de 18 de Janeiro de 2013 a 22 de Dezembro de 2013. 

Ver aqui

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

as árvores que nasceram antes de Cristo

O livro "Flora brasiliensis" foi publicado no final do séc. XIX na Alemanha.
Esta (e outras) imagens estão agora online no site da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo, Brasil.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O trono de Salomão

No centro da Ásia há uma montanha sagrada, em inglês chama-se Sulayman Mountain.

Os Otomanos chamavam-lhe Trono de Salomão.

Tem pinturas rupestres.

É há séculos um centro de peregrinação muçulmano - sepultura do Rei Salomão.

Tem uma gruta da fertilidade com uma entrada muito pequena.

É também Património Mundial da Unesco.

A fotografia é de Nijat Muhammad (2012) aqui

Para mais informações:

Video em Eurasianet.org: Sacred Mountain in Osh Makes Coveted UNESCO List

Kyrgyzstan Sulayman-Too

Informação sobre a cidade de Osh e o vale do Rio Fergana na página da Escola de Estudos Russos e Asiáticos (School of Russian and Asiatic Studies - SRAS) 

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

publicidade



O lojista da esquerda pendurou uma placa: "Temos os preços mais baixos."

Na loja da direita pendia um sinal: "Temos o maior número de produtos de qualidade."

O lojista do meio pensou e afixou na porta: "Entrada principal".

terça-feira, 26 de novembro de 2013

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

renascer das cinzas

Planta de hibisco coberta de cinzas do vulcão activo. Mardingding, Karo, Sumatra do Norte, Indonésia.

Fotografia de Roni Bintang / Reuters aqui.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Jogos dos povos indígenas do Brasil


10.nov.2013 - 12ª Edição dos Jogos Indígenas, em Cuiabá. Diferentes tribos do país competem em desportos tradicionais como corrida com toras de madeira e canoagem. 

Fotografia de Paulo Whitaker, REUTERS. Aqui

domingo, 17 de novembro de 2013

Vai chover em breve


Vai chover em breve (скоро будет дождь)
Desenhos animados russos baseados numa história vietnamita. Filme de Vladimir Ivanovich Polkovnikov (Влади́мир Ива́нович Полковников), 1959.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

fora do livro

Kudym-Osh (Кудым-Ош) fundador da cidade de Kudymcar (Кудымкöр, Кудымкар) na Rússia, é um herói do povo Komi. Filho de uma bruxa e de um urso ensinou o povo a fazer pão e forjar ferro.

Escultura de Rakisheva Valentina Vladimirovna (Ракишева Валентина Владимировна), 2008, metal.

Fotografia aqui. Vídeo com a história de Kudym-Osh (em inglês) e uma pintura admirável num prédio aqui

terça-feira, 12 de novembro de 2013

recriar uma batalha

Está a tornar-se popular na Europa a recriação de batalhas, geralmente medievais ou romanas. Esta imagem é de uma dessas recriações.

O castelo é o de Peracense, perto de Teruel, em Espanha. O sítio onde o castelo foi construído é admirável. Há bastantes fotografias na internet.  

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

a discussão duma tese

"Calculando, ingènuamente, que na discussão duma tese, que compreendia o estudo de um texto, fosse necessária a ferramenta do nosso ofício, empenhei-me em levar para a pugna as armas com que sei lutar, os meus livros. Vi, a breve trecho e com fundo desalento, que não eram precisos e que poderiam ser perfeitamente substituídos por uma hábil gesticulação, loquela canora e olhares lançados à galeria. Compreendi a inutilidade do meu esforço, indignei-me e tomei uma atitude de corajosa reprovação (...)"
Rodrigues Lapa, Em tôrno da «Demanda do Santo Graal» Reparos a uma crítica, Separata de «A Língua Portuguesa», Vol. II - Fasc. III, Lisboa, 1931

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Portugal ou laranja?

a primeira vez que fui à Grécia fiquei surpreendida por a palavra para laranja ser quase igual à palavra para Portugal; afinal não é só na Grécia

imagem aqui

uma breve consulta no tradutor Google mostra que não apenas a fruta (substantivo) mas também a cor (adjectivo) - exactamente como nós chamamos laranja à cor - soa a Portugal nas línguas árabes e próximas 

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Mazeppa

a imagem encontrei-a aqui - na exposição online sobre o teatro burlesco (Mulheres Soltas em Meias-calças) "Loose Women in Tights"

mas Mazeppa foi um guerreiro cossaco

Lord Byron escreveu um poema sobre ele que publicou em 1819; nesse poema Mazeppa conta que se apaixonou por uma jovem mulher casada e que o castigo que o marido dela lhe deu foi expulsá-lo da Polónia nu e atado a um cavalo selvagem; sofreu horrores e esteve quase à morte mas o cavalo levou-o para a Ucrânia onde foi socorrido pelos cossacos acabando por se tornar o melhor cavaleiro e guerreiro e, portanto, o chefe

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

a rota do chá e dos cavalos

Antiga rota comercial que levava chá da China para o Tibete (e mais além) e cavalos do Tibete para a China. A imagem está na página 3 do artigo (em inglês) Tea Horse Road

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A inútil dor humana

Branco e Vermelho

A dor, forte e imprevista,
Ferindo-me, imprevista,
De branca e de imprevista
Foi um deslumbramento,
Que me endoidou a vista,
Fez-me perder a vista,
Fez-me fugir a vista,
Num doce esvaímento. 

Como um deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Fez-se em redor de mim.
Todo o meu ser suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso...
Que delícia sem fim! 

Na inundação da luz
Banhando os céus a flux,
No êxtase da luz,
Vejo passar, desfila
(Seus pobres corpos nus
Que a distância reduz,
Amesquinha e reduz
No fundo da pupila) 

Na areia imensa e plana,
Ao longe, a caravana
Sem fim, a caravana
Na linha do horizonte,
Da enorme dor humana,
Da insigne dor humana...
A inútil dor humana!
Marcha, curvada a fronte.
 
Até o chão, curvados,
Exaustos e curvados,
Vão um a um, curvados, 
Os seus magros perfis;
Escravos condenados,
No poente recortados,
Em negro recortados,
Magros, mesquinhos, vis. 

A cada golpe tremem
Os que de medo tremem,
E as pálpebras me tremem
Quando o açoite vibra.
Estala! e apenas gemem,
Pàvidamente gemem,
A cada golpe gemem,
Que os desequilibra. 

Sob o açoite caem,
A cada golpe caem,
Erguem-se logo. Caem,
Soergue-os o terror...
Até que enfim desmaiem,
Por uma vez desmaiem!
Ei-los que enfim se esvaem,
Vencida, enfim, a dor... 

E ali fiquem serenos,
De costas e serenos...
Beije-os a luz, serenos,
Nas amplas frontes calmas,
Ó céus claros e amenos,
Doces jardins amenos,
Onde se sofre menos,
Onde dormem as almas! 

A dor, deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Foi um deslumbramento.
Todo o meu ser suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso
Num doce esvaímento. 

Ó Morte, vem depressa,
Acorda, vem depressa,
Acode-me depressa,
Vem-me enxugar o suor,
Que o estertor começa.
É cumprir a promessa.
Já o sonho começa...
Tudo vermelho em flor...

Clepsidra e outros poemas de Camilo Pessanha, p. 253 - 256, Colecção Poesia, Edições Ática, Lisboa, 1969

Imagem aqui

não sei porque é que um dos meus poetas e poemas favoritos ainda não estava no blog!

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

fazem música aqui e ali

as gotas e os pingos
andam por aí

umas vezes visíveis
outras

vezes não

brilham ao Sol
ou infiltram-se
entre a gola e a pele
do pescoço
e descem

quer sejam belíssimas
quer sejam desagradáveis
existem

passam

caem
e evaporam-se

podem ser gordos
ínfimas
ou congelados
e rolam
ou escorregam
ou deslizam

podem ser bebidos
lambidas
reflectidos
fotografadas

nem duram muito
nem desaparecem

são incontáveis
e imprevisíveis

são gotas
são pingos

voam
ou condensam-se

libertam-se
ou fundem-se

existem aos milhões
e cada uma por si

e fazem música
aqui e ali

são primas das
pintas

e coroas do i

e lavam
mas não são lavadas

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

um belo jogo dura pouco

Joãozinho e Serenella brincavam às guerras, no leito seco dum regato, de margens cobertas de canas e chão cinzento e amarelo. Não havia inimigos, na verdade, nem sequer batalhas com princípio e fim; seguiam simplesmente pelo leito do rio abaixo, uma cana na mão, simulando cenas de guerra, conforme lhes vinham à cabeça.

As canas representavam toda a espécie de armas: uma baioneta, e Joãozinho atirava-se ao assalto sobre o leito arenoso, soltando um ronco gutural; metralhadora, e assentava-a entre duas pedras, fazendo-a girar à volta, em rajadas que a faziam estremecer; bandeira, e erguia-a ao alto, feito alferes, cravando-a numa lomba e a seguir caía, levando as mãos ao coração.

-Cruz Vermelha! - chamou. - Tu és a Cruz Vermelha. Vem cá, não vês que estou ferido?

Serenella, que até ali fora metralhadora inimiga, correu para ele e aplicou-lhe na testa uma folha de hortelã, à laia de adesivo.

Joãozinho deu um salto, segurou a cana horizontalmente, e escapuliu-se, de braços estendidos.

-Os bombardeiros! Os bombardeiros sobre o objectivo! Viiiiiiiiiiii! Boum! - e deixou cair uma mão cheia de cascalho em cima de Serenella.

-Agora és uma coluna motorizada inimiga em marcha e eu vou bombardear-te!

-Que é que devo fazer? - perguntou Serenella.

-Rasteja pelo chão e vê se escapas às bombas. Viiiiiiiiiiii! Boum! Não, agora vocês espalham-se pelo terreno aberto!

Serenella correu por entre as canas, mas Joãozinho chamou-o de novo, gritando:

-O caça inimigo! Tu és o caça inimigo! Vá, ataca!

Mas como Serenella não sabia bem o que fazem os caças, Joãozinho decidiu fazer ele de caça inimigo e deixar a Serenella o papel de esquadrilha de bombardeiros.

-Agora sou o piloto que se precipita em chamas, olha! - disse Joãozinho.

-E eu? E eu? - perguntou Serenella.

-Tu, tu és a que abraça os que tombam na guerra!

-Quem? Quem?

-A glória! Não sabes como é a glória? Vens como se fosses um anjo e debruças-te sobre mim.

Serenella tentou fazer de glória e saiu-se muito bem.

Depois, imitaram o lançamento de V-2, atirando as canas como dardos. As canas acabaram por ir boiar numa poça cheia de água esverdeada. Travaram então uma batalha naval com as canas-contratorpedeiros fazendo fogo sobre Serenella-couraçado e Serenella-porto invadido pelas canas-comandos e as canhonadas de Serenella contra Joãozinho-porta-aviões e as mãos-submarinos de Joãozinho contra os cruzadores-canas e as mãos-náufragos de Joãozinho na baleeira-Serenella.

Molhados da cabeça aos pés, rebolaram-se na areia e Joãozinho decidiu ser carro de assalto, quer dizer, ele carro blindado e Serenella minas anti-carro. Explodiram e saltaram pelo ar, tornaram  a pegar nas canas e, montando-as como se fossem cavalos, travaram recontros entre patrulhas de cavalaria. Para fazer uma carga era preciso cornetim, e Joãozinho, arrancando uma bainha à sua cana, segurou-a entre os dedos e soprou, fazendo-a vibrar num assobio áspero. Ante aquele som apareceram três soldados de verdade.

O regato alargava-se ali e o vale era um prado cavado em concha, cortado por tufos de arbustos. Dois soldados, com ramos verdes no capacete, encontravam-se deitados de barriga no chão, as solas das botas ferradas verticais sobre o terreno. Um deles, com auscultadores nas orelhas, fazia funcionar um rádio de campanha, de antena recurva.

Em silêncio, arrastando as canas pelas pontas, as duas crianças, abeiraram-se de um dos soldados. Estendido na relva, a espingarda apontada, tinha às costas capacete, mochila, bornal, granadas de mão, cantil e máscara antigás, como se tudo aquilo lhe tivesse caído em cima, numa avalancha de objectos. Sobre tudo isto, ramos arrancados a uma mimosa, com lanhos que punham à mostra o cerne vermelho da madeira bem como a casca dilacerada. O soldado, do chão, voltou a cara para os garotos, quase sem mexer o capacete, virando-se de tal maneira que uma das faces ficou encostada à terra. Tinha olhos cinzentos e tristes e uma folha de cerejeira nos lábios.

Os garotos acocoraram-se a seu lado. Apontaram as canas para a frente, paralelas à espingarda do soldado. Joãozinho perguntou-lhe:

-Andas na guerra?

O soldado arrastou o queixo no chão, abriu os lábios e cuspiu a folha de cerejeira, sem dizer nada. Agarrou na cana de Joãozinho com uma das mãos na intenção de a partir, mas a cana era tão nova e esguia, que se dobrava toda sem quebrar; o soldado teve de a torcer e desfazê-la fibra a fibra. A Joãozinho desagradava-lhe ver-se assim roubado daquela arma que lhe merecia toda a afeição, mas o soldado punha nos seus gestos tanto afinco que não ousou dizer-lhe nada.

-Olha, lá em baixo - apontou Serenella.

Avistara, na vertente oposta do vale, um outro soldado, a agitar bandeirolas coloridas.

-Desculpe: podemos ir até lá abaixo? - perguntou Joãozinho.

O soldado devia ter feito um movimento como que um encolher de ombros, porque os objectos que trazia às costas chocalharam uns nos outros e o cantil bateu no capacete.

Os garotos afastaram-se, na ponta dos pés.

Sobre o valado, uma amoreira dava sombra e junto do tronco, sentado numa cadeira desmontável, estava sentado um general. Era um sujeito gordo em mangas de camisa, que olhava por um binóculo, levantando os óculos escuros para a testa e baixando-os em seguida para enxugar o suor com um lenço. Limpava depois com o lenço os óculos também húmidos de suor. Ao passar as mãos sobre uma carta topográfica que tinha aberta sobre os joelhos, ia falando, resfolgante, com o seu estado-maior: oficiais sentados na erva, a seus pés, de pernas encolhidas, as mãos pousadas nos bornais ou segurando binóculos.

Joãozinho e Serenella conservaram-se por momentos ali ao lado do general, segurando as canas direitas, como se apresentassem armas.

-Uf!... o tiroteio inimigo - dizia o general - cai mesmo em cheio sobre os nossos... uf!... - depois, outras palavras que não se percebiam! Os seus dedos curtos, semeados duma penugem avermelhada, iam percorrendo o mapa, como enormes lagartos. - Que dolorosa perda de homens, mas... uf!... as posições...

Os oficiais do estado-maior, sentados naquelas incómodas posições, apoiando-se nas mãos e outras vezes nos cotovelos e só com muita dificuldade resistindo à tentação de se estenderem ao comprido na erva e adormecerem ao sol, reagiam, mostrando-se muito activos à volta do general: escreviam notas nos canhenhos, seguiam as operações na carta topográfica e demonstravam interesse por um deles, que se contorcia às voltas com um goniómetro; pareciam estudar um a um os elementos da paisagem e as tropas escondidas, que disparavam continuamente, com impassível resignação, como se os sinais do lápis do general sobre o mapa as apagassem da própria face da terra.

-Naturalmente, além, nas vinhas - dizia o general - os nossos tiros fazem terra queimada... além, a descoberto... uf!... estão a ver o observatório inimigo?

-Está assinalado no mapa, meu general - disse um oficial, muito zeloso -, como «habitação rústica»...

O general, porém, não olhou para o mapa e continuava a indicar no morro a casa que Joãozinho e Serenella sabiam ser a do velho Paulo, criador de bichos-da-seda.

-É o primeiro objectivo a abater - disse o general.

O oficial do goniómetro forneceu os números.

As crianças olhavam para a casa do criador dos bichos-da-seda, depois para o lápis do general, que desenhava uma cruz no mapa.

Soou um tiro. Joãozinho e Serenella sobressaltaram-se e as canas bateram uma na outra.

-Que é que estes miúdos andam aqui a fazer? - disse uma voz, e eles viram-se agarrados pelos colarinhos. - Quem é que deixou estes miúdos andarem pela zona de operações?

Num salto de gato Joãozinho e Serenella conseguiram desenvencilhar-se daquelas mãos.

Desataram a correr por um carreiro adiante, num trote certo, calados e sem se voltarem para trás, apertando nas mãos as suas canas em posição de ao alto arma.

Quando lhes faltou o fôlego, pararam. Viram-se num sítio onde o canavial formava uma barreira longa e densa, fazendo restolhar no ar as bainhas verde-vivo pelo lado de dentro e verde-pálido por fora.

-Aqui - disse Joãozinho - há muito material para fazermos espingardas.

Mas a alegria surgia agora um tanto velada. Deitaram fora as velhas armas e meteram-se pelo canavial adentro.

-Olha que rica arma que eu arranjei!

-A minha é mais alta!

A verdade é que nenhuma se parecia com as do princípio. Nenhuma valia o que valiam as outras e imaginá-las lanças, metralhadoras ou aeroplanos já não dava nenhuma satisfação. O canavial acabava de repente; depois das canas era o céu e o mar. A ribanceira descia em socalcos, preenchidos por estreitas faixas de terra cultivada, que esteiras ao alto protegiam do sol. Depois, começavam os seixos marinhos e o mar estendia-se, onda após onda, até ao fim do horizonte.

-Aaaahuu! - gritou Joãozinho, desatando a correr em direcção à vereda. - Ao assalto...! Estamos debaixo de fogo inimigo...!

-Aaaaaahuuu! - imitou Serenella.

Desatou também a correr mas parou de repente: Joãozinho fizera o mesmo e quedara-se, entristecido. Acontecera-lhe, ao gritar, ouvir a sua voz como se fosse alheia.

-Terra queimada! - gritou, de novo. - Passam-lhe por cima os carros de assalto e depois já nem a erva cresce.

Rebolara-se pelo chão arenoso, mas Joãozinho pensou que era muito estúpido estarem para ali a amachucar os ossos numa brincadeira tão parva.

Embirrou com a outra:

-Serenella, se não sabes brincar também não tem piada nenhuma!

-Mas porquê? Que é que queres que eu faça?

-Fazaes de metralhadora! És um ninho de metralhadoras e eu tenho de tomar-te de assalto.

-Rat-ta-ta-ta-ta-ta! - fez Serenella, condescendente, atirando-se de rojo.

-Eu agora avanço para te atirar uma granada de mão, mas fico caído no chão. Olha como é!

Atirou-lhe uma folha de palmeira, depois levou as mãos ao peito e caiu por terra. Caiu bem. Mas já nem morrer em combate o satisfazia.

Serenella ainda insistiu umas tantas vezes:

-Rat-ta-ta-ta-ta-ta!

Depois percebeu que devia mudar. Aproximou-se do companheiro e disse:

-Cá estou. Agora sou a glória. A glória que abraça os que tombam no campo de batalha.

Debruçou-se sobre ele como um anjo, mas Joãozinho não se mexia e Serenella achou tudo aquilo muito estúpido.

Sentaram-se no chão, de cabeça baixa, arrancando, lentamente, tufos de erva. A princípio, brincar às guerras fora divertido, mas agora vinha-lhes à ideia o olhar triste daquele soldado com a folha nos lábios e os dedos peludos do general que apagavam vinhas e casais. Joãozinho procurava lembrar-se de qualquer outra brincadeira, mas, a meio de qualquer pensamento, surgiam-lhe sempre pela frente aqueles olhos tristes e aqueles dedos avermelhados.

Teve uma ideia:

-Um jogo novo! - e deu um salto.

Via-se um muro recamado por uma trepadeira de madressilvas. Joãozinho agarrou numa ponta e começou a puxá-la, procurando não a pisar e não a soltar do muro.

-Sabes o que isto é?

-Que é?

-É uma mina carregada, escondida debaixo do Estado-Maior do Exército.

-E depois, o que é que vamos fazer?

-Tapa os ouvidos! Pegamos fogo à mecha e em poucos segundos o exército vai pelos ares!

Serenella tapou os ouvidos. Joãozinho simulou o gesto de acender um fósforo e de o aproximar da mecha, depois fez pfft! e seguiu com o olhar a mecha imaginária, mordida pelas chamas.

-Atira-te para o chão, Serenella, depressa! - gritou ele tapando os ouvidos.

-Ouviste? Mas que grande estrondo! Acabou-se o exército!

Serenella riu-se:

-Isto agora já é uma brincadeira divertida!

Joãozinho puxou para si mais umas hastes.

-Sabes para quem é esta mecha? Agora é para o Estado-Maior da Armada!

Serenella já tinha os dedos nos ouvidos. Joãozinho fingiu que botava fogo.

-Atira-te para o chão depressa, Serenella! - gritou ele, dando-lhe um empurrão.

O Estado-Maior da Armada também tinha ido pelo ar.

Esta agora é para o Estado-Maior da Aviação!

Aquilo era uma brincadeira deveras emocionante.

-E agora que é que vais fazer saltar pelo ar? - perguntou Serenella, mal se levantou.

Joãozinho não sabia o que é que havia de seguir-se à aviação.

-Parece-me que já não há mais nada - rematou. - Foram todos pelo ar.

E desceram, em direcção ao mar, a construir castelos de areia.

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Italo Calvino, "Os Idílios Difíceis", p. 69-77, Editora Arcádia Lda., Lisboa, 1964 (primeira publicação em italiano em 1958)

imagem aqui, infelizmente o livro que estou a ler já não tem esta linda sobrecapa...

domingo, 6 de outubro de 2013

Anton Pavlovich Tchekov

Антон Павлович Чехов — 安东 帕夫洛维奇 契诃夫

Para ver outros nomes de escritores clássicos russos em chinês (e em russo) carregar aqui.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

No céu da meia-noite um anjo voava

Citação do poema de Lermontov "O Anjo" (1831) que abre o prólogo do livro "As Bagas Silvestres da Sibéria" publicado por Evguéni Evtouchenko na Rússia em 1981, traduzido de uma tradução francesa e publicado pela Presença em Lisboa em 1985.

Prólogo

"Esta frase veio ao espírito do astronauta, que sorriu tristemente e pensou, para consigo: «É bonito, o anjo...»

Voltado para a vigia da sua nave espacial, o rosto do astronauta estava fatigado, prematuramente envelhecido, mas cheio de uma viva curiosidade infantil. Ainda nunca tinha ido ao estrangeiro e eis que, de súbito, o seu olhar abarcava todos os países ao mesmo tempo. As fronteiras tinham desaparecido. Todos os postos fronteiriços bicolores, essas no man's lands cuidadosamente arranjadas, o arame farpado, os comités fronteiriços com os seus pastores alemães, os postos alfandegários, tudo soçobrara no nada. Vista do cosmos, a existência de todos esses seres, de todas essas instituições parecia de um absurdo contranatural. Um termo como o de propiska, pelo qual se designa o registo obrigatório de todos os cidadãos soviéticos no posto de milícia do seu bairro, tornava-se subitamente grotesco, totalmente inconcebível...

Abaixo dele, punhado de poalha de ouro semeada num campo de veludo negro, Paris cintilava com miríades de luzes."


segunda-feira, 30 de setembro de 2013

As doze cadeiras

"As doze cadeiras" é uma novela satírica de Ilya Ilf e Evgeny Petrov publicada em 1928. Ilf e Petrov eram naturais de Odessa e um dos monumentos emblemáticos da cidade é uma cadeira de bronze que honra este livro e os seus autores.

"As doze cadeiras", com este ou com outros títulos, tem sido adaptado ao cinema um pouco por todo o mundo. O filme russo mais popular foi realizado em 1971 por Leonid Gaidai e está no canal do Youtube da Mosfilm.

Esta é uma imagem da segunda parte: um poeta anda a tentar vender um poema a revistas especializadas noutros assuntos que não a poesia. Consoante a especialidade da revista ele adapta o poema. Este é o escritório de uma revista dedicada aos problemas da juventude: "Noiva e Noivo". Ele acaba de declamar os primeiros versos: "Gavrila era um marido infiel. Gavrila era infiel à mulher." e pede-lhe a opinião. Ela diz que é bom, mas não é muito bom, porque ele está a descrever uma situação irreal que não é pedagógica, não é realista: "Onde é que já viu maridos infiéis? Eu nunca vi um marido infiel".

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Eufrosinia Kersnovskaya

"Nós temos lutado, passado fome, sofrido muito durante 23 anos para levar a liberdade aos trabalhadores do mundo inteiro. Mas vocês aqui fazem salsichas e pão branco!"

"Nós pedimos-lhe que passasse fome durante 23 anos para nos libertar de salsichas e pão branco?"

Eufrosinia Kersnovskaya (1908-1994) nasceu em Odessa numa família da nobreza russa. A revolução expulsou-as de casa, a ela e à mãe, e ela foi enviada para trabalhos forçados.

Libertada em 1953, escreveu e ilustrou as suas memórias em 12 álbuns dos quais fez três cópias.

Este é um dos 680 desenhos.  

Parcialmente publicada em 1990, a obra completa em seis volumes "Quanto vale uma pessoa?" foi publicada na Rússia em 2006. 

O site dedicado a Eufrosinia Kersnovskaya está em russo e inglês, tem a obra na íntegra, informações e fotografias.

Este desenho é do primeiro álbum, segunda secção. Está aqui.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

escultura de fogo

Ialta, 23 de Setembro de 2013, cerâmica

ver aqui

No site do artista-ceramista Andrei Sobyanin (Poltava, Ucrânia)

www.sobyaninceramics.com

pode ver-se como estas esculturas de fogo são criadas.

A técnica é complexa mas pode descrever-se brevemente como: a peça é moldada directamente sobre um forno de tijolos refractários. É envolvida em mantas de isolante térmico. O forno é aceso e espera-se até atingir mais de 1.000ºC, então retiram-se os isolantes.

Ver aqui.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Imagine

Almaty (antes Alma-Ata) foi a capital e continua a ser a maior cidade do Cazaquistão. Tem muitos monumentos que estão reunidos na Wikipedia em russo (ru.wikipedia.org) e podem ser vistos aqui. Um dos mais recentes é o monumento aos Beatles que foi inaugurado em 2007 na montanha. Esta fotografia encontrei-a aqui.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

parar

uma senhora que passou na rua agora mesmo (não a vi, só ouvi) "parar só quando morrermos e mesmo assim não sei se paramos ou não"

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

VITAS - Xadrez

Cascais, 2013

Um dos jovens é ucraniano, os outros são russos e gostam de subir a lugares vertiginosos (ou descer a lugares subterrâneos de difícil acesso) e tiram fotografias. Este verão conseguiram patrocínio de uma empresa de telemóveis - para testar o roaming e a cobertura - e vieram viajar na Europa: da Suécia até Portugal.

Vale a pena ver as fotografias, as da Catedral da Sagrada Família em Barcelona são espectaculares.

Esta é uma das fotografias de V. Raskov em Portugal. Ver aqui "Urban Exploration 2013: Europa"

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

actualização

Em meados da década de 90 do séc. XX foi feita esta intervenção na estátua de aço de Vera Mukhina Рабочий и колхозница "Operário e camponesa da quinta colectiva" (1930).

No site Museus da Rússia: aqui.

E aqui, outra fotografia e texto (em inglês) no jornal The Guardian.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Ernst Neizvestnyi

O escultor russo Ernst Neizvestnyi numa das suas obras, anos 50 do séc. XX.

Galeria de imagens de RiaNovosti, aqui.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Lua e Vénus

Início da ocultação de Vénus pela Lua.

Fotografia de Sofia Ferreira, ontem no Uruguai, a seguir ao pôr-do-Sol.

ver aqui

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Velhos Crentes


Em 1666 a Igreja Ortodoxa Russa fez reformas que os "Velhos Crentes" não aceitaram. Esta igreja de "Velhos Crentes" foi construída no início do séc. XX na aldeia de Bogushovka (Богушовка), distrito de Bobruisk, Mogilev, Bielorrussia.

As fotografias são de 2006, carregar aqui para ver mais.

sábado, 31 de agosto de 2013

três opiniões

conheci um rapaz polaco que me disse que têm este provérbio: "onde há dois polacos há três opiniões"

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Para os meus poemas

"Para os meus poemas, escritos tão cedo na vida, tão cedo
Eu não sabia que era poeta ainda,
Forçados a afastar-se de mim tal como os salpicos de uma fonte
Um foguete faiscando ainda,

Poemas trovejando de mim, invadindo, como alguns pequeninos diabretes
O santuário onde o sono e o incenso se entrelaçam,
Os seus temas feitos de morte e juventude, os meus poemas,
Minhas sempre não lidas linhas!

Atirados para aqui e para ali entre o pó de várias livrarias, 
(não os toca então, agora, nenhum polegar de leitor!),
Para os meus poemas, armazenados ao fundo como vinhos de preciosa colheita,
Sei que um tempo virá."
Marina Tsvetaieva

Tradução da tradução inglesa no projecto "Poemas na Parede", Leiden, 1992. Este foi o primeiro poema.

"For my poems, written down so soon in life, so early 
I did not know I was a poet yet, 
Forced loose from me like droplets from a fountain, 
A rocket's sparking yet, 

Poems storming from me, invading, like some tiny demons 
The sanctuary where sleep and incense twine, 
Their themes made up of youth and death, my poems, 
My always unread lines! 

Thrown here and there amid the dust of various bookshops, 
(untouches then, now, by any readers thumb!), 
For my poems, stored deep like wines of precious vintage, 
I know a time will come." 
Projecto "Muurgedichten"


«Моим стихам, написанным так рано…»

Моим стихам, написанным так рано,
Что и не знала я, что я — поэт,
Сорвавшимся, как брызги из фонтана,
Как искры из ракет,

Ворвавшимся, как маленькие черти,
В святилище, где сон и фимиам,
Моим стихам о юности и смерти,
- Нечитанным стихам! -

Разбросанным в пыли по магазинам
(Где их никто не брал и не берет!),
Моим стихам, как драгоценным винам,
Настанет свой черед.

Май 1913, Коктебель

Poema no site sobre Marina Tsvetaieva em russo: www.tsvetayeva.com

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Dão crédito a palavras que são ventos

Quanta incerta esperança, quanto engano!
Quanto viver de falsos pensamentos,
Pois todos vão fazer seus fundamentos
Só no mesmo em que está seu próprio dano! 

Na incerta vida estribam de um humano; 
Dão crédito a palavras que são ventos;
Choram depois as horas e os momentos 
Que riram com mais gosto em todo o ano. 

Não haja em aparências confianças; 
Entendei que o viver é de emprestado; 
Que o de que vive o mundo são mudanças. 

Mudai, pois, o sentido e o cuidado, 
Somente amando aquelas esperanças 
Que duram pera sempre co'o amado.

(Sonetos acrescentados pela edição de Faria e Sousa, de 1685)

Soneto de Camões pintado na parede em Leiden em 1996 - desapareceu quando fizeram obras no prédio em Junho de 2002. Ver aqui.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

peixe frito em Odessa

Em Odessa, Ucrânia, comi destes peixes fritos.

As traduções são complicadas e o nome destes peixes em russo é Бычками (Bychkami) que o Google traduz para inglês como "gobies".

Tinha a informação de que são típicos de Odessa (e do Mar Negro e de Azov) e consegui descobri-los no menu do primeiro restaurante que encontrei. Gostei muito! :)

quarta-feira, 21 de agosto de 2013