Vladimir Kush

Vladimir KUSH, Ripples on the Ocean, (Ondulações no Oceano)

Rumi

A vela do navio do ser humano é a fé.
Quando há uma vela, o vento pode levá-lo
A um lugar após outro de poder e maravilha.
Sem vela, todas as palavras são ventos.

Jalāl-ad-Dīn Muhammad RUMI




quinta-feira, 28 de junho de 2012

Iniji (Henri Michaux)

(Este poema tem feito parte da página inicial deste Blog quase desde o início. Quero agora removê-lo. Publico-o aqui para que possa continuar a ser encontrado mas já não esteja sempre visível.) 


Não pode mais, Iniji

Esfinges, esferas, falsos signos,
obstáculos no caminho de Iniji

Movem-se margens
Fundações afundam-se

Mundo. Não mundo
só o amálgama

As pedras já não sabem ser pedras

Entre todos os leitos da terra
onde está o leito de Iniji?

Menina
pá pequena
Iniji não pode fazer força

Um corpo tem a lembrança excessiva de outro corpo
um corpo já não tem imaginação
não tem paciência com nenhum outro corpo

Fluidos, fluidos
tudo o que passa
passa sem parar
passa

Ariadne mais fina que o seu fio
não consegue reencontrar-se

Vento
sopra vento em Arraô
vento

Ananoá Iniji
Anâã Animá Iniji
Orrenaniâã Iniji
e Iniji inanimada

Sai meio corpo
meio corpo morto

Ananejá Iniji
Anajetá Iniji
Anamajetá Iniji

A bilha não entorna a ciência
O fogo não derrama o leite

A chave,
onde está a chave?
Os insectos passam-na uns aos outros
As vassouras varrem-na

Tu sim, tu; mas eu não tem

Eva sou eu
orfã da ideia
saída, portas fechadas

Já não agarra, Iniji

Iniji fala com palavras
que não são as suas palavras

Djã
Djã Djã
Djã dã dã
que tornam Iniji inânime
sem regresso nos carris de Irritilili

Quantos vespões no verão da sua cabeça

Não te detenhas nele, Iniji

Se tu vais Njeu
Njá vá dá

Se tu não njá
njarrá rá vais

Reboques
que a rebocam
que ela reboca

Aonde regressar?
Foi-se o coração do quarto

Repetição sempre repetida

Oh Dormir, dormir numa ânfora

Paralisia nas águas
Paralisia nos campos

Sofre-se aqui a suprema fealdade
o ataque das agulhas voadoras

O avesso do perfume, não sabem, eles

O raio não é feito para cabeças de crianças
mas está lá
recreando-se, para ele, para nada, para criar um trovão

As montanhas de Niniji estão condenadas
Recôncavos, depressões, poços

Segundo o mundo, os males

Fechou-se a porta das viagens
no túmulo jaz Iniji

Misturados ao insalubre dos fundos
contrários caracteres ficaram nela,
o torturante do fogo junto ao monótono da água
junto ao inconsistente, ao imperceptível do ar.

E sempre
o corpo sem vida como a rotação da mó

Lá onde não exite nenhuma clareira
nascentes, oferendas
os infindáveis bordados da teia da aranha invisível
tecem árvores com os meus pensamentos
não posso fazer nada

Somente as amarguras grandes
somente a contínua continuação

As escalas devoram a melodia
debaixo do tecto, o telhado
debaixo do soalho, o leito
na estopa os sinos

Uma salamandra devorou o meu fogo...

Este coração já não se entende com os corações este coração
não reconhece ninguém na turba dos corações

Corações cheios de gritos, de ruídos,
de bandeiras
este coração não é desenvolto com estes corações
este coração esconde-se destes corações
este coração não se compraz com estes corações.

Oh cortinas, cortinas e ninguém vê Iniji

Stella, Stella constelada
já te não levantas para mim, Aurora

Tão pesados
tão pesados
tão taciturnos seus monumentos
tão impérios, tão quadriláteros
tão esmagadores bárbaros, tão vociferantes,
e nós tão nenúfar
tão espiga ao vento
tão longe do cortejo
tão mal na cerimónia
tão pouco da nossa idade e tanto a passear
tão farinha
tão peneirada

e sempre na peneira
asas de morcego
batendo sempre contra a cara

Bifurcações
e desuniu-se o uno

liames ligam lugares Lorenzo

O cisne erguido ao rés das águas não disse «minha filha»

Porque os gelos
porque a fuga dos espíritos
aconteceu

Quem agora há-de aportar à ilha?

As formas fogem em farrapos
mergulham, alongam-se, deformam-se
luas nos bordos de uma nuvem negra.

Tiram-se as luvas cheias de sangue
tira-se a camisa cheia de sangue

ah lasciate
lasciate

Silêncio

silêncio

Deixai-me nadar pelas paredes fora
Ouço murmúrios que me chamam
É ele. É o momento.
Enfim!

Espelhos recolhem-nos
Espelhos trocam-nos
a perdida deste mundo, a morte do outro mundo

Deixai-nos

Rorraá Roá Roarrá Rorrâã

Hoarre hoâã

Tornou-se depois tudo tão duro
tão detestável
velha mão nodosa
sobre um rosto de têmporas raiadas de veias
outrora
o rio de júbilo não tinha o leito ressequido
Iniji não vivia ainda atrás das portas de chumbo

Não acontecera ainda.

Vida, extremidade de um galho...

Ah o terrível, o trémulo que tão fácil dissipa o universo inteiro

Estes esgares à minha roda
sempre, sempre
que desejam eles?

Papéis sempre sempre redistribuídos
perdizes, folhas, loucas



Vapor
apenas vapor
pode acaso o vapor voltar a ser migração?
o fio passa
repassa
fio sem fim a fiar-se
casulo que me enclausura

Ah! O Juízo
sofrida sentença semelhante à síncope
vagas fustigantes
dedos aduncos
tudo são tormentos para a órfã

Iniji hóspeda efémera das covas,
pais, pinças, palavras

Eis a estrada longínqua que não vem de volta.

Dorme o seio de onde jorrou o leite.

Apagou-se o contorno... e a opala...

Ficou a sombra só o suspiro dos lábios

Vem, vem, vento de Aúrraú
tu, vem!

Herberto Helder, poemas mudados para português, in "Poesia Toda", p. 469, Assírio & Alvim, 1996



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