(Este poema tem feito parte da página inicial deste Blog quase desde o início. Quero agora removê-lo. Publico-o aqui para que possa continuar a ser encontrado mas já não esteja sempre visível.)
Não pode mais, Iniji
Esfinges, esferas, falsos signos,
obstáculos no caminho de Iniji
Movem-se margens
Fundações afundam-se
Mundo. Não mundo
só o amálgama
As pedras já não sabem ser pedras
Entre todos os leitos da terra
onde está o leito de Iniji?
Menina
pá pequena
Iniji não pode fazer força
Um corpo tem a lembrança excessiva de outro corpo
um corpo já não tem imaginação
não tem paciência com nenhum outro corpo
Fluidos, fluidos
tudo o que passa
passa sem parar
passa
Ariadne mais fina que o seu fio
não consegue reencontrar-se
Vento
sopra vento em Arraô
vento
Ananoá Iniji
Anâã Animá Iniji
Orrenaniâã Iniji
e Iniji inanimada
Sai meio corpo
meio corpo morto
Ananejá Iniji
Anajetá Iniji
Anamajetá Iniji
A bilha não entorna a ciência
O fogo não derrama o leite
A chave,
onde está a chave?
Os insectos passam-na uns aos outros
As vassouras varrem-na
Tu sim, tu; mas eu não tem
Eva sou eu
orfã da ideia
saída, portas fechadas
Já não agarra, Iniji
Iniji fala com palavras
que não são as suas palavras
Djã
Djã Djã
Djã dã dã
que tornam Iniji inânime
sem regresso nos carris de Irritilili
Quantos vespões no verão da sua cabeça
Não te detenhas nele, Iniji
Se tu vais Njeu
Njá vá dá
Se tu não njá
njarrá rá vais
Reboques
que a rebocam
que ela reboca
Aonde regressar?
Foi-se o coração do quarto
Repetição sempre repetida
Oh Dormir, dormir numa ânfora
Paralisia nas águas
Paralisia nos campos
Sofre-se aqui a suprema fealdade
o ataque das agulhas voadoras
O avesso do perfume, não sabem, eles
O raio não é feito para cabeças de crianças
mas está lá
recreando-se, para ele, para nada, para criar um trovão
As montanhas de Niniji estão condenadas
Recôncavos, depressões, poços
Segundo o mundo, os males
Fechou-se a porta das viagens
no túmulo jaz Iniji
Misturados ao insalubre dos fundos
contrários caracteres ficaram nela,
o torturante do fogo junto ao monótono da água
junto ao inconsistente, ao imperceptível do ar.
E sempre
o corpo sem vida como a rotação da mó
Lá onde não exite nenhuma clareira
nascentes, oferendas
os infindáveis bordados da teia da aranha invisível
tecem árvores com os meus pensamentos
não posso fazer nada
Somente as amarguras grandes
somente a contínua continuação
As escalas devoram a melodia
debaixo do tecto, o telhado
debaixo do soalho, o leito
na estopa os sinos
Uma salamandra devorou o meu fogo...
Este coração já não se entende com os corações este coração
não reconhece ninguém na turba dos corações
Corações cheios de gritos, de ruídos,
de bandeiras
este coração não é desenvolto com estes corações
este coração esconde-se destes corações
este coração não se compraz com estes corações.
Oh cortinas, cortinas e ninguém vê Iniji
Stella, Stella constelada
já te não levantas para mim, Aurora
Tão pesados
tão pesados
tão taciturnos seus monumentos
tão impérios, tão quadriláteros
tão esmagadores bárbaros, tão vociferantes,
e nós tão nenúfar
tão espiga ao vento
tão longe do cortejo
tão mal na cerimónia
tão pouco da nossa idade e tanto a passear
tão farinha
tão peneirada
e sempre na peneira
asas de morcego
batendo sempre contra a cara
Bifurcações
e desuniu-se o uno
liames ligam lugares Lorenzo
O cisne erguido ao rés das águas não disse «minha filha»
Porque os gelos
porque a fuga dos espíritos
aconteceu
Quem agora há-de aportar à ilha?
As formas fogem em farrapos
mergulham, alongam-se, deformam-se
luas nos bordos de uma nuvem negra.
Tiram-se as luvas cheias de sangue
tira-se a camisa cheia de sangue
ah lasciate
lasciate
Silêncio
silêncio
Deixai-me nadar pelas paredes fora
Ouço murmúrios que me chamam
É ele. É o momento.
Enfim!
Espelhos recolhem-nos
Espelhos trocam-nos
a perdida deste mundo, a morte do outro mundo
Deixai-nos
Rorraá Roá Roarrá Rorrâã
Hoarre hoâã
Tornou-se depois tudo tão duro
tão detestável
velha mão nodosa
sobre um rosto de têmporas raiadas de veias
outrora
o rio de júbilo não tinha o leito ressequido
Iniji não vivia ainda atrás das portas de chumbo
Não acontecera ainda.
Vida, extremidade de um galho...
Ah o terrível, o trémulo que tão fácil dissipa o universo inteiro
Estes esgares à minha roda
sempre, sempre
que desejam eles?
Papéis sempre sempre redistribuídos
perdizes, folhas, loucas
Vapor
apenas vapor
pode acaso o vapor voltar a ser migração?
o fio passa
repassa
fio sem fim a fiar-se
casulo que me enclausura
Ah! O Juízo
sofrida sentença semelhante à síncope
vagas fustigantes
dedos aduncos
tudo são tormentos para a órfã
Iniji hóspeda efémera das covas,
pais, pinças, palavras
Eis a estrada longínqua que não vem de volta.
Dorme o seio de onde jorrou o leite.
Apagou-se o contorno... e a opala...
Ficou a sombra só o suspiro dos lábios
Vem, vem, vento de Aúrraú
tu, vem!
Herberto Helder, poemas mudados para português, in "Poesia Toda", p. 469, Assírio & Alvim, 1996
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