Digo que tinha dezoito anos quando escrevi a Mérope. Mas tinha doze quando comecei a pensar nela. Estava eu na ilha Terceira, e cheio de presunções de helenista porque um santo velho que ali havia, o Sr. Joaquim Alves - excelente homem que usava do mais esquisito barrete e da melhor marmelada que ainda se fez - me tinha feito entender quatro versos de Homero. Tive a confiança de querer ler Eurípedes no original; e com o auxilio do Padre Brumoy, cheguei a conhecer sofrivelmente algumas das suas tragédias. Não cabia em mim de contentamento e de entusiasmo. Eurípides era o maior trágico do mundo - já se vê porquê.
- E mais falta o seu melhor drama que se perdeu - me dizia o bom do velho - a Mérope isso é que era tragédia!
«Que pena perder-se a Mérope!» cismava eu noite e dia.
Havia ali também naquela minha saudosa ilha Terceira outro velho que me ajudou a criar, e a quem devo quase tudo o que sei: era meu tio D. Alexandre que não gostava de Eurípides - bárbaro! -, nem acreditava na minha ciência helénica - incrédulo! -, e que, demais a mais, um dia me fez perder as minhas tão caras e doces ilusões, dizendo-me que no teatro inglês e no castelhano havia melhores coisas que nos clássicos de Atenas.
- Mas não há uma Mérope como aquela de Eurípides que se perdeu. - Não; mas há em italiano a de Maffei, que tem toda a simplicidade, elegância e regularidade antiga, sem aquelas declamações tão secantes do teu Eurípides. - Em italiano! Tomara eu lê-la!. - Pois também já tu sabes italiano? - Sei, sim, senhor, li um volume inteiro de Goldoni e alguns três de Metastásio.
Era verdade: não me lembra como achei, mas recordo-mo que devorei logo uns tomos truncados daqueles teatros, e fiquei-me tendo por tão bom toscano como um académico da Crusca.
Almeida Garrett, Obras Completas, Teatro 2, Mérope, Prefácio da Primeira Edição, escrito em Lisboa, 12 de Agosto de 1841, Parceria A. M. Pereira, Lda., Lisboa, 1973
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