Vladimir Kush

Vladimir KUSH, Ripples on the Ocean, (Ondulações no Oceano)

Rumi

A vela do navio do ser humano é a fé.
Quando há uma vela, o vento pode levá-lo
A um lugar após outro de poder e maravilha.
Sem vela, todas as palavras são ventos.

Jalāl-ad-Dīn Muhammad RUMI




quarta-feira, 19 de outubro de 2011

um norueguês na Nazaré

Jan Brøgger (1936-2006)
Pescadores e Pés - calçados
Livraria Susy, 1ª Edição, Nazaré, 1992
Tradutor: José Maria Trindade
Título original: Pre-bureaucratic Europeans
A Study of a Portuguese Fishing Community

As tensões e a gestão da vida comunitária

Um dos traços essenciais da vida comunitária da Nazaré é a ausência de privacidade. Isto não significa que a casa esteja aberta a todos, mas há sempre um número exagerado de visitas para poder ser considerada um lugar de retiro para os seus membros. Por outro lado, marido e mulher orientam as suas vidas mais em função dos compromissos sociais que em função um do outro.

Grande parte da vida familiar dos nazarenos decorre na rua, junto à porta ou no pátio. A família que se refugia na privacidade do lar torna-se objecto de censura e suspeita. A existência de uma vida privada, ou secreta, tal como ela é vista pelos nazarenos, é-lhes completamente estranha. A porta deve estar sempre aberta, o que não acontecendo pode dar azo a suspeitas de bruxaria.

Foi o que aconteceu a uma velha que vivia sozinha. Circulavam rumores de que ela tinha relações com o diabo. Rumores confirmados por duas vizinhas que se diz, terem-na surpreendido durante o insólito coito. Ela era ainda acusada com frequência dos infortúnios inexplicáveis ocorridos na comunidade.

Bacalhoeiros diziam tê-la visto durante uma campanha na Terra Nova. Este relato ilustra não só a atmosfera criada pela vida comunitária, mas também a sobrevivência das ideias clássicas de bruxaria e feitiçaria na Nazaré.

Dado desconhecerem o privilégio de um espaço privado de recolhimento, inacessível a outras pessoas, os nazarenos não podem ter, obviamente, consciência da sua necessidade. Apreciam porém as situações que lhes permitem fingir (sic) às pressões de uma comunidade demasiado envolvente. Um passatempo muito apreciado pelos pescadores mais ricos é a organização de excursões às aldeias rurais do interior. A partida cria neles um sentimento de liberdade inebriante e um estado de espírito dionisíaco.

Uma visita aos bares mais famosos de Amesterdão ou de Banguecoque não seria acompanhada de maior excitação e entusiasmo que a excursão à pacata aldeia da Maiorga. (...)

Aparentemente, para ser aceite pela comunidade piscatória, um homem deve embriagar-se pelo menos em algumas ocasiões, e dar mostras da sua vulnerabilidade por palavras e por actos. Felizmente ao fazer uma demonstração um tanto dionisíaca de uma dança norueguesa, tive a sorte de quebrar uma lâmpada de néon na cave de uma taberna. O bacanal dessa noite serviu como ritual de iniciação eficaz.

(p. 97-100)

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