"E na terceira manhã surgiu um grupo de golfinhos precedendo o navio. Conservaram-se sempre abaixo da superfície, pelo que não houve tumulto humano para os ver. Apenas Gethin Day os viu. E que alegria! que alegria de viver! que alegria maravilhosamente pura de se ser um golfinho dentro do grande mar, de se ser muitos golfinhos, precedendo o navio e troçando, numa investida translúcida, da investida ameaçadora mas fútil de um enorme navio!
Era o espectáculo da mais pura e mais perfeita alegria de viver que Gethin Day tinha visto em toda a sua vida. Os golfinhos eram uns dez ou doze, com corpos arredondados em forma de torpedo, e mantinham-se junto do barco como se não se movessem, sempre ali, sem movimento aparente, sob a água puramente diáfana, e, no entanto, seguindo a uma velocidade igual à do navio, sem o mínimo sinal de movimento, mas conservando uma miraculosa precisão de velocidade. Parecia que as barbatanas da cauda do último golfinho tocavam a proa do navio, por baixo da água, com um toque muito ligeiro, embora exacto e permanente. Parecia que nada se movia, apesar de tanto o navio como os golfinhos estarem a avançar através do oceano tropical. E os animais moviam-se, estavam sempre a mudar de lugar. Moviam-se numa pequena nuvem, e, como numa maravilhosa brincadeira, subiam, desciam, tomavam a dianteira, mas sempre à mesma velocidade, sempre a mesma para todos, e sempre com o último golfinho quase a tocar com as barbatanas caudais o talha-mar de ferro do navio. Alguns conservavam-se em baixo, na sombra, mas horizontalmente imóveis na mesma velocidade. Depois, com uma estranha rotação, subiam esses à água verde-clara, e os outros desciam. Até mesmo o que fazia contacto, tocando com a cauda no navio, era trocado num abrir e fechar de olhos. E sempre, sempre, a mesma velocidade horizontal pura, por vezes um dorso escuro a razar a luz da superfície da água, por baixo, sem que nunca a superfície se rompesse. E sempre o último peixe a tocar o navio, e sempre os outros a avançar, sem movimento, sem esforço, e trocando de lugares com estranha perícia à medida que avançavam, trocando de lugar entre eles, perdendo-se na sombra azul e escura, e emergindo estranhamente, de novo, entre os outros animais silenciosos e rápidos, na água verde-clara. Sempre tão rápidos, que pareciam estar a rir.
Gethin Day observou-os, enfeitiçado, minuto após minuto, durante uma hora, duas horas, e era sempre o mesmo, o navio a avançar rapidamente, cortando a água, e os peixes, de corpos fortes precedendo-o, em perfeito equilíbrio de velocidade, por baixo de água, misturando-se entre si num estranho e único riso de múltipla consciência, libertando a alegria de viver, a pura alegria de viver, a união no puro e completo movimento, muitos peixes de corpos vigorosos, gozando uma gargalhada de vida, uma pura união, perfeita como uma paixão. Transmitiam à água a sua maravilhosa alegria de viver, uma alegria que o homem jamais encontrara. E deixava-o assombrado.
«Mas eles conhecem a alegria, eles conhecem a alegria pura!» disse a si próprio, com espanto. «Esta é a alegria mais risonha que eu já vi, pura e isenta. Sempre achei que as flores tinham conseguido alcançar a mais bela perfeição da natureza. Mas estes peixes, estes peixes carnudos, de corpos quentes, alcançam mais do que as flores, no seu movimento. Esta é a mais pura concretização da alegria que já vi em toda a minha vida: estes peixes fortes: descuidados. Os homens não aprenderam com eles o segredo de estarem vivos e juntos, e fazer dessa união uma única gargalhada de alegria, embora cada peixe tenha a sua própria marcha. É a alegria pura... e os homens perderam-na, ou nunca chegaram a alcançá-la. Os melhores desportistas do mundo não passam de mochos ao pé destes peixes. E a união do amor não é nada, comparada com a união rodopiante dos golfinhos a brincar debaixo de água. Seria maravilhoso conhecer uma alegria como a que estes peixes conhecem. A vida nas águas profundas está mais avançada do que a nossa, contém a pura união e a pura alegria. Nós nunca lá chegámos...»
Inclinado sobre o gurupés, sentia-se fascinado por uma única coisa, pela alegria, pela alegria de viver dos peixes a nadar, brincando com alegria. Não era de admirar que o oceano continuasse a ser misterioso, quando nele batiam corações vermelhos como aqueles! Não era de admirar que o homem, com a sua tragédia, parecesse uma coisa pálida e doentia, em comparação com aquilo! Que civilização conseguirá trazer-nos um tal espírito de união, rápida, alegre, como o que aqueles peixes tinham alcançado?"
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D.H. Lawrence, "St. Mawr e outros contos", (O Peixe-Voador) p, 281 a 283, Livros do Brasil, Lisboa, 1990
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(Notas) p. 290 - Enquanto se recuperava de uma gripe e de um ataque de malária em princípios de Fevereiro de 1925, no México, que quase o mataram, Lawrence ditou a abertura de «O Peixe-Voador», provavelmente entre 11 e 19 de Março, a Frieda Lawrence; ele próprio deverá ter acrescentado mais algumas páginas. Quando os Lawrence regressaram, em 29 de Março, ao seu rancho na região de Taos, ele pôs a obra de parte e nunca mais voltou a pegar-lhe.