Vladimir Kush

Vladimir KUSH, Ripples on the Ocean, (Ondulações no Oceano)

Rumi

A vela do navio do ser humano é a fé.
Quando há uma vela, o vento pode levá-lo
A um lugar após outro de poder e maravilha.
Sem vela, todas as palavras são ventos.

Jalāl-ad-Dīn Muhammad RUMI




segunda-feira, 31 de maio de 2010

comer o caminho de volta

Esta história é dos Irmãos Grimm e chama-se "Der süsse Brei" em alemão. Como não a conheço traduzida para português, vou chamar-lhe "Doces papas de aveia" a partir da tradução para inglês:

Era uma vez uma menina pobre mas boa que vivia sozinha com a mãe e já não tinham nada para comer. Por isso a criança foi para a floresta, e aí uma velhinha que sabia do seu desgosto encontrou-a e ofereceu-lhe uma panelinha que quando ela lhe dizia: "Cozinha, panelinha, cozinha" cozinhava boas, doces papas de aveia, e quando ela dizia: "Pára panelinha" deixava de cozinhar.

A menina levou a panelinha para casa e deu-a à mãe. Agora estavam livres da sua pobreza e fome e comiam doces papas de aveia sempre que queriam. Uma vez, quando a menina tinha saído, a mãe disse: "Cozinha, panelinha, cozinha" e a panelinha cozinhou. Ela comeu até ficar satisfeita e então quis que a panelinha parasse mas não sabia as palavras.

Então a panelinha continuou a cozinhar e as doces papas de aveia transbordaram e ela continuou a cozinhar até a cozinha ficar cheia e depois toda a casa, e depois a casa a seguir, e depois toda a rua como se quisesse matar a fome do mundo inteiro e houve o maior desespero mas ninguém sabia como acabar com aquilo.

Por fim quando já só faltava encher uma casa a menina voltou e disse "Pára panelinha" e a panelinha parou de cozinhar e quem quisesse voltar para a cidade tinha que comer o seu caminho de volta.

sábado, 29 de maio de 2010

algo se sente

Algo se sente continuamente e se relaciona com percepções. É a alegria que faz bela a manhã ou é o céu azul mais as andorinhas que fazem a alegria? A forma redonda das copas dos pinheiros que vês ao acordar acaba de formar-se para ti, ou tu acordas e pasmas para a beleza delas? Não sabes, nem sabias nada nem da alegria nem do pasmo. Até julgavas que não querias levantar-te e pôr-te a caminho.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

o à vontade dos invisíveis

A casa estava vazia, e a pessoa se sentiria, se fosse a única na sala de visitas, como um daqueles naturalistas que, recoberto de ervas e de folhas, fica observando as mais tímidas das criaturas — texugos, lontras, martins-pescadores — andarem à vontade, também eles invisíveis.

Virgínia Wolf, A Mulher no Espelho

quarta-feira, 26 de maio de 2010

para lá da imaginação

«Ninguém pode imaginar-se não nascido.»

Doris Lessing, As Avós e Outras Histórias, p. 181, Editorial Presença, Lisboa, 2008

segunda-feira, 24 de maio de 2010

uma inocência surpreendente

"Espero ter conseguido recriar, sobretudo, o espírito dos anos sessenta, esse período contraditório que, em retrospectiva e comparando-o com o que veio depois, parece de uma inocência surpreendente."

Doris Lessing, O Sonho Mais Doce, Editorial Presença, Lisboa, 2007

p. 11, Nota da Autora

domingo, 23 de maio de 2010

a história fundamental

Namorados, enamorados, habitam no coração alheio melhor que no próprio, toda a sua atenção e interesse se vira para dentro desse coração que acolhe favorável e confortavelmente e aí residem, naturalmente, em harmonia com as estrelas, no banho lunar que lhes dá força, e aberta e sagradamente junta. Esta união é fecunda. 1+1 não é igual a 2 mas a 3, talvez 4, ou ainda mais. Esta é a história fundamental.

sábado, 22 de maio de 2010

nas ondas da

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sexta-feira, 21 de maio de 2010

as cousas sem presente

«Vive, dizes, no presente;

Vive só no presente.

.

Mas eu não quero o presente, quero a realidade;

Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.

.

O que é o presente?

É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.

É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.

Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.

.

Não quero incluir o tempo no meu esquema.

Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas como cousas.

Não quero separá-las de si próprias, tratando-as por presentes.

Eu nem por reais as devia tratar.

Eu não as devia tratar por nada.

.

Eu devia vê-las, apenas vê-las;

Vê-las até não poder pensar nelas,

Vê-las sem tempo nem espaço,

Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.

É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.»

.

Alberto Caeiro

.

"A poesia de Alberto Caeiro", apresentação crítica, selecção e linhas de leitura de Manuel Gusmão, p. 58 e 59, Editorial Comunicação, Lisboa, 1986

quarta-feira, 19 de maio de 2010

ausencia ta ser nôs lema

Ausencia ausencia ...

Si asa um tivesse

Pa voa na esse distancia

Si um gazela um fosse

Pa corrê sem nem um cansera

.

Anton ja na bo seio

Um tava ba manchê

E nunca mas ausencia

Ta ser nôs lema

.

Ma sô na pensamento

Um ta viajà sem medo

Nha liberdade um tê ' l

E sô na nha sonho

.

Na nha sonho miéforte

Um tem bô proteção

Um tem sô bô carinho

E bô sorriso

.

Ai solidäo tô ' me

Sima sol sozim na céu

Sô ta brilhà ma ta cegà

Na sê clarão

Sem sabe pa onde lumia

Pa ondê bai

.

Ai ...

Solidão é um sina ...

.

Ai solidão tô ' me

Sima sol sozim na céu

Sô ta brilhà ma ta cegà

Na sê clarão

Sem sabe pa onde lumia

Pa ondê bai

.

Ma sô na pensamento

Um ta viajà sem medo

Nha liberdade um tê ' l

E sô na nha sonho

.

Na nha sonho miéforte

Um tem bô proteção

Um tem sô bô carinho

E bô sorriso

.

Ai solidão tô ' me

Sima sol sozim na céu

Sô ta brilhà ma ta cegà

Na sê claräo

Sem sabe pa onde lumia

Pa ondê bai

.

Ai ...

Solidão é um sina ...

.

Cesária Évora

Ausencia (crioulo cabo-verdiano)

terça-feira, 18 de maio de 2010

lágrimas invisíveis

Mantemo-nos juntos

Apoiamo-nos uns aos outros

Mantemo-nos uns aos outros

Ninguém nos pode parar

Vamos ser-te fiéis

Mantemo-nos assim

Vamos respeitar as regras

Para podermos fazer as regras

.

E o tubarão tem lágrimas

E correndo da face

Mas o tubarão vive na água

Por isso as lágrimas não podem ser vistas

.

Mantemos a velocidade

Estamos a manter a nossa palavra

Se alguém não consegue manter a velocidade

Paramos imediatamente

Mantemos os olhos abertos

Mantemos o nosso braço

Seis corações ardem

O fogo vai manter-te quente

.

E o tubarão tem lágrimas

E correndo da face

Mas o tubarão vive na água

Por isso as lágrimas não podem ser vistas

.

Nas profundezas é solitário

Por isso cada lágrima flutua

E é assim que a água do mar fica salgada

.

Podes pensar de nós

Seja o que for que eles queiram

Nós mantemo-nos a salvo

Nunca estaremos quietos

.

RAMMSTEIN

quarta-feira, 12 de maio de 2010

jogando sementes nos campos da mente

Fossem ciganos a levantar poeira

A misturar nas patas

Terras de outras terras, ares de outras matas

Eu, bandoleiro, no meu cavalo alado

Na mão direita o fado

Jogando sementes nos campos da mente

E se falasses magia, sonho e fantasia

E se falasses encanto, quebranto e condão

Não te enganarias, não te enganarias

Não te enganarias, não!

Fossem ciganos a levantar poeira

A misturar nas patas

Terras de outras terras, ares de outras matas

Eu, bandoleiro, no meu cavalo alado

Na mão direita o fado

Jogando sementes nos campos da mente

E se falasses magia, sonho e fantasia

E se falasses encanto, quebranto e condão

Feitiço, transe-viagem, alucinação

Ney Matogrosso

sexta-feira, 7 de maio de 2010

consegues ver a alma a sorrir?

Consegues ver a alma a sorrir?
Os meus pés aceleram os passos...
Como se realmente tivesse asas nas costas,
Mas ninguém me persegue.
Olha – a minha alma molhada descaiu...
Embora não haja nem pau nem faca sobre ela.
O mármore do corpo derreteu-se em suave cera,
O cérebro computador voou para o diabo...
.

Alma, onde é o teu lugar?!
Tenho uma costura no meu lado direito
Inclinei-me com a respiração suspensa...
Algo se voltou a quebrar de repente,
Incendiou-se, saiu e voltou a pegar fogo!
Uma voz que veio de muito alto!!!
Uma nova dor onde as asas deviam estar...
As faces das estrelas lavadas por chuvas torrenciais....
E quase agarrei a cauda do cometa...
VITAS

quinta-feira, 6 de maio de 2010

faça-se

Em 1899, Giovanni Agnelli di Bricharesio e o Conde Carlo Biscaretti di Ruffia fundaram a Fabricca Italiana Automobili Torino (FIAT). Este era o seu logotipo.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

o bar do estômago

em Viena de Áustria fizeram o bar do estômago - exibir em grande o que é pequeno e está escondido - o realismo irreal - uma perplexidade efémera

terça-feira, 4 de maio de 2010

a lua toda

Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis

sábado, 1 de maio de 2010

harmonia

as sensações são fluidas, indefinidas como as temperaturas do vento e os sons das diferentes folhas que o vento agita no campo

a delícia é um nome para muito diferentes sensações agradáveis

o conforto, porém, limita as sensações deliberadamente

procurar ou fugir de sensações é inútil, elas não estão lá fora

no mundo das coisas

mas na interacção sem limites que não distingue fora e dentro

oh, quão feliz e infeliz se pode ser em menos de um minuto em qualquer lugar...

a sós ou com companhia...

a exaltação chega inesperadamente

não há porquê...

só sensação

o pensamento quer encontrar palavras e não pode...

flutua num mar interior, mergulha, voa...

ah!

breve, tão breve e mais precisa e preciosa que uma dura jóia é a sensação que nos guia

e desvia de mesquinhos obstáculos e limites

em direcção a um céu ainda mais espaçoso que o espaço

onde não há carências nem excessos

porque toda a alteração produz harmonia