Levantei-me então. Os viajantes queixam-se dos hotéis estrangeiros, da nudez dos quartos que se encontram e da falta de conforto; o meu pareceu-me soberbo e muito alegre. Tinha magnificas janelas, com grandes vidros, tão limpos e tão claros! Havia um lindo espelho sobre um toucador, outro, enorme, sobre a chaminé! O chão era tão brilhante! Saí do quarto logo que me vesti; os degraus da escada, todos de mármore, quase me inspiravam respeito. No primeiro andar encontrei uma criada; calçava tamancos, vestia um saiote vermelho muito curto, uma camisa de chita, possuía cara chata e um ar estúpido; falei-lhe em francês, respondeu-me em flamengo num tom rude mas correcto. Mas achei-a encantadora; não era, por certo, nem amável nem bonita, era pitoresca; lembrava-me certas figuras dos quadros holandeses que vira, outrora, em casa do meu tio Seacombe.
Entrei numa grande sala que me pareceu majestosa; o ladrilho era preto, assim como o fogão e quase todos os móveis; nunca me sentira tão disposto para a alegria como quando me sentei diante daquela mesa preta, coberta até meio com uma toalha, branca como uma mortalha, servindo-me do café que me trouxeram numa pequena cafeteira também preta. O fogão entristecer outros olhos que não fossem os meus, pela sua cor, mas espalhava um calor reconfortante. Dois cavalheiros estavam sentados perto dele e conversavam; impossível compreendê-los, de tal modo falavam com rapidez: no entanto, o francês, na sua boca, tinha, aos meus ouvidos, sons cheios de harmonia (não sentia ainda tudo o que tem de pavoroso a horrível pronúncia belga). Um daqueles senhores reconheceu imediatamente a que nação eu pertencia, provavelmente pelas palavras que disse ao criado, pois, ainda que inutilmente, eu persistia em falar francês com a execrável pronúncia do sul da Inglaterra. O senhor em questão, depois de me ter fixado uma ou duas vezes, chegou-se polidamente e dirigiu-me a palavra em inglês. Eu daria bastante para me exprimir em francês com a mesma facilidade. A sua frase correcta e fácil, a sua excelente pronúncia, fizeram nascer no meu espírito uma ideia bastante justa do carácter cosmopolita da capital da Bélgica, e, pela primeira vez, tive a evidência da aptidão para as línguas que reconheci, mais tarde, em quase todos os bruxelenses.
Charlotte Brontë, O Professor, p.75 e 76, Inquérito, Lisboa.
Entrei numa grande sala que me pareceu majestosa; o ladrilho era preto, assim como o fogão e quase todos os móveis; nunca me sentira tão disposto para a alegria como quando me sentei diante daquela mesa preta, coberta até meio com uma toalha, branca como uma mortalha, servindo-me do café que me trouxeram numa pequena cafeteira também preta. O fogão entristecer outros olhos que não fossem os meus, pela sua cor, mas espalhava um calor reconfortante. Dois cavalheiros estavam sentados perto dele e conversavam; impossível compreendê-los, de tal modo falavam com rapidez: no entanto, o francês, na sua boca, tinha, aos meus ouvidos, sons cheios de harmonia (não sentia ainda tudo o que tem de pavoroso a horrível pronúncia belga). Um daqueles senhores reconheceu imediatamente a que nação eu pertencia, provavelmente pelas palavras que disse ao criado, pois, ainda que inutilmente, eu persistia em falar francês com a execrável pronúncia do sul da Inglaterra. O senhor em questão, depois de me ter fixado uma ou duas vezes, chegou-se polidamente e dirigiu-me a palavra em inglês. Eu daria bastante para me exprimir em francês com a mesma facilidade. A sua frase correcta e fácil, a sua excelente pronúncia, fizeram nascer no meu espírito uma ideia bastante justa do carácter cosmopolita da capital da Bélgica, e, pela primeira vez, tive a evidência da aptidão para as línguas que reconheci, mais tarde, em quase todos os bruxelenses.
Charlotte Brontë, O Professor, p.75 e 76, Inquérito, Lisboa.
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