era um esquecido sonho meu, o imenso amor
beija-me o eterno e sou o sonho dele
No prado florido não se vê o chão
tacteia-se com os pés para detectar
por onde se pode ir e por onde não
aqui é terra é firme, ali há cova,
aqui está húmida, ali... receosa
por fim encontra-se um belo lugar
para uma bela sesta, quando uma pessoa
se deita desaparece entre as ervas.
Basta o peso para libertar o odor
das flores esmagadas, a bela essência
que se evapora e se cola à pele
e aos cabelos. No prado florido
o amor é bendito pela terra e pelo céu.
Com os pés no chão e tropeçando muitas vezes nas duras e irregulares pedras das calçadas deu cabo dos joelhos, das mãos, dos braços, da cabeça. Cada vez que se elevava um pouco mais servia também de alvo às pedradas. Que dura é a vida para quem tem coração de balão e deseja elevar-se... Quantas vezes rebentou em lágrimas que foi preciso esconder em lugares solitários ou engolir antes que brotassem intempestivas onde a lei era seca. Contusa e dorida apresentava-se como se nada fosse e também tivesse coração de pedra para magoar e suportar a força bruta.
.
A certa altura foi à Grécia e todos aqueles corpos de pedra belos e mutilados, alados e mutilados, prenderam-na dentro dos sonhos, da imobilidade, da impossibilidade de acordar e movimentar-se. Oh, quantas formas de desespero é preciso conhecer para encontrar a saída? Eis que a Vitória desce dos céus e mal aflora com a ponta do pé o mais alto templo. Sustêm-na impossivelmente as asas de pedra... como é possível? Além da gravidade a alegria. Cantam as aves cobertas de penas.
.
O sonho dela era alto como as estrelas. De criança a adulta e através de mares e continentes, interdições e privilégios, cumpriu o seu destino e chegou lá acima onde as máquinas se aproximam o mais que podem da distância imaginária. Mas o céu está mesmo aqui, é nele que nos movemos, respiramos, sorrimos... Queridas, queridas crianças e descuidadas esperanças que brincam, deixem-na partilhar a vossa inocência. Deixem-na estar na vossa companhia e não vos incomodeis quando ela gritar alto ou chorar silenciosamente. Se lhe sorrirem ela sorri também, é uma alma enxovalhada, permiti que se desfaça das memórias retidas e dos esquecimentos acumulados.
.
Calma, calma, a fruta amadurece para uma fome que ainda não existe... Da terra profunda as raízes trazem rios doces, delgados como cabelos. Suspensa a fruta contempla a madeira que a eleva e muda de cor, de forma, de aroma e de sabor, sem nada saber. O Sol e a Lua parecem elevar-se e descer mas apenas a luz e não o corpo nos alcança descendo até nós que elevamos o olhar e os alcançamos assim, não com o corpo. Distancias comunicantes, amantes, quentes. Nas alturas da alegria cantamos ou escutamos os cantos santos e incorpóreos das fontes brilhantes. Os nossos corpos resplandecem de saúde e os lábios de beijos. Se não fosse na felicidade onde houveras de agitar-te?
"Em 1901 foram descobertas mais grutas na Dordonha, em Combarelles e Font-de-Gaume, revelando uma colecção fantástica de desenhos, pinturas e gravuras que então começaram também a ser atribuídas ao homem do Paleolítico. Em 1901 a Associação Francesa para o Avanço das Ciências reuniu-se na Dordonha para examinar as pinturas. Com solenidade académica, os presentes decretaram que as mesmas eram paleolíticas. (...)
O professor Cartailhac apresentou então desculpas ao homem do Paleolítico e ao caluniado marquês de Sautuola, há muito falecido. O seu artigo sobre Altamira (1902) intitulou-se «Mea culpa d'un sceptique». Nele assumiu «a participação num erro durante vinte anos, numa injustiça que deve ser abertamente reconhecida e reparada». Nesses vinte anos o mundo académico tinha revisto completamente a noção da capacidade criativa do homem pré-histórico. Após Altamira ter sido reconhecida, as provas adicionais dessa capacidade surgiram de forma esmagadora."
Daniel J. Boorstin, Os Criadores Uma História dos Heróis da Imaginação, Gradiva, Lisboa, 2002, p. 148 e 149